sábado, 2 de agosto de 2008

60. (FINAL ALTERNATIVO)

Caminhavam lentamente recebendo na face todo o fresco ar que banhava aquela noite de Verão.
- Sabes – começou Luís – estes dias têm sido mesmo perfeitos. Sem zangas, nem discussões.
- Pois, quem me dera ter sido assim no principio.
- Ai, o princípio... – disse ele, pensativo.
- Ainda te lembras? Nem nos conhecíamos. Até ao dia em que foste contra mim, lembras-te? – perguntou Joana, entrando também no espírito de recordações.
- Claro, como poderia eu esquecer... Foi a melhor coisa que me aconteceu. – revelou.
- Não foi nada, não digas disparates! – indagou Joana, brincando.
Luís parou e ficou com uma cara muito séria, desmanchando-se a rir em seguida. Joana também fez o mesmo. Naquele momento de descontracção, ele aproximou-se dela.
- Olha, olha – disse ela, continuando na brincadeira – tu também já estás ébrio como o teu amigo?
Luís riu-se, virando inconscientemente a cara para o lado o que levou uma madeixa mais clara do seu cabelo a cair-lhe sobre os olhos. Mecanicamente levantou a mão e afastou-a num gesto singular. Joana assistia maravilhada. Ele fica mesmo bem quando se arranja, pensava.
- Ébrio? Mas queres palavras caras, é? – questionou Luís, rindo-se.
- Qual caras! Ébrio é alcoolizado. Até parece que não sabias. – respondeu ela.
- Pois não, sou um leigo!
- Então mas afinal quem é que está com palavras caras? – ironizou Joana.
- Isto ainda não é nada. Conceder-me-ia no dia posterior o deleite da sua companhia para uma breve deambulação por essas áleas desta metrópole? – questionou ele.
Joana continuou a fitá-lo como se ele tivesse falado noutra língua.
- Desculpa? – gaguejou, piscando os olhos.
- Perguntei se amanhã queres ir passear pelas ruas desta cidade. – esclareceu, rindo-se, mas questionando verdadeiramente.
Joana abrandou e virou ligeiramente a cabeça para Luís que vinha mais atrás. Imediatamente a seguir recomeçou a andar normalmente, olhando sempre em frente. No entanto, ele percebeu aquela pequena reacção.
- O que foi? – perguntou, com notória preocupação na voz.
- Nada de especial. Mas amanhã....
Ainda bem que Joana seguia mais à frente: Luís não iria ter coragem para dizer o que ia dizer se a estivesse a encarar nos olhos.
- E não aceito um não como resposta! – alvitrou ele.
- Oh, mas... Está bem. – rematou, fingindo estar tudo bem.
Joana preferiu não olhar para trás. Sabia que lhe ia custar mais. Optou por falar, olhando sempre para a frente.
- Luís, tu és meu amigo, certo? – inquiriu.
- Sim...
- E nunca ias ficar chateado comigo? – continuou ela.
- Do que é que estás para aí a falar? – quis ele saber.
- De nada. Mas tu vais tentar perceber porque é que eu faço o que eu faço, sempre? – pediu.
- Tu já deves estar é com alguns copos em cima. Falamos melhor amanhã que agora já chegámos. – apontou para a fachada da casa da amiga que se erguia à sua frente.
- Mas eu amanhã... – tentou ela começar, sendo de novo interrompida.
- Não há mas nem meio mas. Até amanhã Joana. Às sete da tarde no café. – atirou, indo-se embora em seguida.
Joana ficou sozinha; sentou-se nas escadas e passou as mãos pelo cabelo. Olhou para o relógio. Mais algumas horas e Leonor entregaria a carta a Bill. Só esperava era que ele percebesse. Mais algumas horas e ela...

Georg carregava nos braços algumas das muitas malas de Leonor. Atrás de si, mais dois seguranças faziam o mesmo. Leonor, essa, seguia à frente transportando apenas a sua pequeníssima mala. Mal viu os rapazes, saudou-os.
- Hei guys! I missed you. (Ei rapazes! Tive saudades vossas.) – disse, dando depois um beijinho a cada um.
Hospedados no estúdio dos gémeos em Hamburgo, Leonor iria ficar no quarto de Georg. Só que antes de poder desfazer as suas malas, teve de arrumar a roupa do namorado que estava espalhada um pouco por todo o chão do quarto.
- Georg! – gritou ela quando entrou e se deparou com a confusão.
Perante risos divertidos dos amigos da banda, Georg lá foi no sentido dos gritos, aventurando-se pela confusão que ele próprio causara.
- What baby? (Que foi bebé?) – perguntou, tentado passar despercebido.
- What baby? What baby? What baby? (Que foi bebé? Que foi bebé? Que foi bebé?) – repetia ela, subindo de tom de voz a cada repetição, acabando num tom de fazer inveja ao próprio Bill.
- Sorry about the mess. I help you. (Desculpa a confusão. Eu ajudo-te) – e pegou numas t-shirts e atirou-as, perante o olhar chocado da namorada, para cima duma cadeira, sem sequer se dar ao trabalho de as dobrar.
- Leave! (Saí!) – gritou Leonor novamente.
Nem foi preciso dizer duas vezes; Georg correu dali para fora, juntando a Tom, Bill e Gustav que nem precisaram de fazer muito esforço para não perder pitada daquela conversa e que agora se riam.
- Danke... (Obrigado...) – disse, fingindo-se chateado com eles por não o terem ajudado.
Tom desculpou-se dizendo que estava a fazer o almoço, já que naquela casa ele era o único que cozinhava. Gustav disse que estava a passar os ingredientes a Tom para ele não deixar queimar a comida, mentira claramente descarada. Sobrou Bill, que se levantou, fez festas no cabelo de Georg, despenteando-o e entrou no quarto dele, para ajudar a namorada.
- Can I? (Posso?) – perguntou, metendo os seus longos cabelos pretos dentro do quarto.
- Of course. (Claro.) – respondeu Leonor ao ver quem era.
Bill entrou e percebeu que afinal ela tinha mesmo razões para estar a gritar. Praticamente toda a roupa que Bill conhecia a Georg estava espalhada pelo chão. Sem perguntar, pois era óbvio que precisava de ajuda, Bill inclinou-se e começou a ajudá-la.
- Oh, thanks. You didn’t need to. (Oh, obrigada. Não precisavas.) – agradeceu ela quando reparou no gesto dele.
Mas aquele gesto não era virgem. Bill tinha uma ideia em mente desde o exacto momento em que ela havia chegado. Queria falar na altura perfeita e nem pestanejou quando Georg resmungou por ajuda. Era o momento ideal.
- So... How is Portugal? (Então... Como vai Portugal?) – questionou, tentado parecer o mais natural na voz e sem demonstrar o nervosismo.
Leonor achou estranha aquela pergunta já que eles tinham estado até há bem pouco tempo no país.
- Do you mean Portugal or Joana? (Queres dizer Portugal ou Joana?) – respondeu-lhe ela, percebendo aonde ele queria chegar.
- Ok, how is she? (Ok, como está ela?) – perguntou sem rodeios.
- She’s fine... She sent you something. Wait a minute. (Ela está bem. Mandou-te uma coisa. Espera um minuto.) – pediu, enquanto erguia uma pesada mala e a colocava em cima da cama.
Depois de aberta, começou a procurar lá dentro. Bill virou ligeiramente a cara quando Leonor tirou para fora a sua roupa interior mais ousada o que a levou a deitar um pequeno risinho. Por fim, lá encontrou o envelope que a amiga lhe tinha dado no dia anterior.
- Here. (Aqui.) – disse, entregando-lhe o pacote.
Bill agarrou-o logo e sentou-se em cima da cama. Não se sentiu incomodado pela presença de Leonor e não se coibiu de abrir o dito ali à sua frente. Logo após deparar-se perplexamente com o seu antigo passaporte, uma carta caiu e ele esticou-se para a apanhar. Em silêncio e para si, leu.
“Dear Bill: I know you must be really confused about me having your passport. The truth is that it hasn’t been with me all this time. It doesn’t matter who had it, I wasn’t the one who took it from you. I didn’t say anything before because I thought I had nothing to say. The reason why I gave you back the passport is simple: I need to close this chapter of my life. I can’t descrive the feeling I had when I first met you. You weren’t what I thought you were. With time, I realize that’s who you are and by the end I couldn’t live without you. Just for your information, if you have asked, I would have gone. When you went away, you left me with the impression that you have feelings for me. So that, I’ll take whatever it takes to be with you. As you say “...together we’ll be running somewhere new and nothing can hold me back from you...”. I’ll fight for us, even knowing that your world is different from mine.” (Querido Bill, eu sei que deves estar mesmo confuso sobre eu ter o teu passaporte. A verdade é que nem sempre o tive comigo o tempo todo. Não importa quem o tinha, não fui que quem to tirou. Não disse nada antes porque achei que não havia nada para dizer. A razão pela qual eu te devolvo o passaporte é simples: tenho de fechar este capítulo da minha vida. Não posso descrever o que senti quando te conheci. Não eras nada daquilo que eu esperava que fosses. Com o tempo, Percebi que é assim que tu és e no final eu já não conseguia viver sem ti. Só para que saibas, se tivesses pedido, eu tinha ido. Quando te foste embora, deixaste-me com a impressão que de sentias algo por mim. Por isso, vou fazer o que for preciso para estar contigo. Como tu próprio dizes “...juntos vamos correr por lugares novos e ninguém me pode afastar de ti...”. Eu vou lutar por nós, mesmo sabendo que o teu mundo é diferente do meu.”
Bill acabou de ler a carta e dobrou-a cuidadosamente. Guardou-a no casaco, levantou-se e saiu. Quando passou pela porta do quarto, já o seu telemóvel tocava no bolso.

- Estou? – murmurou ela para o telemóvel, voltando a recolher o braço para dentro da cama, ainda com a impressão de ter visto um número a ligar do estrangeiro.
“Bia?” – disse a voz de Joana do outro lado.
- Jô? – perguntou, estremunhada. – Mas que horas são?
Bia levantou a cabeça e mirou o relógio. 18:54.
“São quase oito da noite.”
- Oito? Ainda nem são sete! Como é que eu dormi até esta hora? – questionou.
“Pois, aí são sete. Ontem também bebeste um bocado mas só hoje é que tens os efeitos na cabeça.”
- Aqui? Mas onde raio é que estás? Que barulho todo é esse? – quis saber, prestando agora mais atenção e sentando-se na cama, ainda sem acender as luzes.
“Não interessa. Só te quero dizer que gosto muito de ti e desculpa. O Luís está no café à minha espera. Desculpa outra vez por tudo.” – desligou.
- Desculpa? O Luís está no café? Joana? Estou? – ainda tentou dizer, mas a chamada já havia sido desligada.

- Are you sure? (Tens a certeza?) – perguntava-lhe ele.
- Yeah, I guess... (Sim, acho...) – respondeu-lhe ela.
Entraram, cada um carregando as duas malas que ela trouxera. Ele rodou a chave na fechadura e entrou. Todos os olhares se viraram na sua direcção. Os restantes preparavam-se para perguntar que malas eram aquelas, quando ela entrou. O espanto e incredulidade pespegaram-se na cara de todos. Já esperando aquela reacção, falou.
- Hello guys. (Olá rapazes.) – virando-se para ele.
Pousou a mala e encarou Leonor de frente, que era a mais espantada do grupo.
- Olá Leonor. – cumprimentou Joana.

O telemóvel tocava vezes sem conta até que ela resolveu atender. Sim, afinal era mesmo uma chamada internacional desta vez.
- Ah, és tu Leonor. O quê? Ela fez o quê? – perguntou Bia, espantada, parando no meio da rua.
Sentou-se num banco ali perto e ouviu em silêncio o resto que Leonor lhe contava. No fim, agradeceu e desligou. Esteve ainda alguns minutos a digerir aquilo tudo, acabando por depois se levantar e seguir caminho. Minutos depois, estava diante do café. Entrou.
- Bia? Aqui? Estou à espera da Joana. Deve estar atrasada. Que coincidência. – disse Luís, com um ar amistoso.
- Ela não está atrasada. E isto, infelizmente, não é uma coincidência. – informou.
- O quê? O que é que estás a querer dizer? – perguntou ele, agora com medo a notar-se na voz.
- Luís, eu lamento imenso, mas ela não vem...
Luís deixou-se cair, mole e fraco, na cadeira. Toda a tristeza e desilusão apoderaram-se dele; o seu olhar ficou frio e a sua expressão vazia. Durante uns minutos não fez nem disse nada. Depois, levantou-se e saiu, sempre em silêncio.

- O que é que te passou pela cabeça? O que é que tu estás aqui a fazer? – inquiria Leonor, um pouco alto.
Os outros ouviam claramente a conversa mas não percebiam. No entanto, quase que apostavam o que diziam.
- Não comeces Leonor. Tu também deixaste tudo pelo Georg. – atirou Joana.
- Mas eu namoro com ele. Temos uma relação estável. Compreendemo-nos um ao outro. – repostou a amiga.
- Leonor, percebe uma coisa. Ou era isto, ou era nada. Eu reagi, eu fiz aquilo que eu queria e não estou arrependida. Desculpa se tu não percebes mas, sinceramente, não esperava que percebesses.
- Joana! – gritou Bill com o seu melhor sotaque!
- I’ll be right there. (Já vou.) – respondeu-lhe.
- Eu só quero que saibas o que estás a fazer. – pediu Leonor, baixando as armas.
Joana anuiu e foi ter com Bill. Tom tinha acabado de cozinhar e servia o seu melhor, e único, prato aos restantes, no sofá. Acanhada ao lado de Bill, Joana aceitou a comida. Um bocado de molho escorreu pela boca quando Tom lhe pediu que provasse. Imediatamente, Bill pegou no próprio guardanapo e limpou cuidadosamente, perante o olhar agudo de Leonor. Depois daquele gesto de carinho, Joana sorriu levemente e disse, baixinho para si, só para ela ouvir:
- Tu sabes o que estás a fazer.

The end.

terça-feira, 29 de julho de 2008

60. (FINAL ALTERNATIVO)

Caminhavam lentamente recebendo na face todo o fresco ar que banhava aquela noite de Verão.
- Sabes – começou Luís – estes dias têm sido mesmo perfeitos. Sem zangas, nem discussões.
- Pois, quem me dera ter sido assim no principio.
- Ai, o princípio... – disse ele, pensativo.
- Ainda te lembras? Nem nos conhecíamos. Até ao dia em que foste contra mim, lembras-te? – perguntou Joana, entrando também no espírito de recordações.
- Claro, como poderia eu esquecer... Foi a melhor coisa que me aconteceu. – revelou.
- Não foi nada, não digas disparates! – indagou Joana, brincando.
Luís parou e ficou com uma cara muito séria, desmanchando-se a rir em seguida. Joana também fez o mesmo. Naquele momento de descontracção, ele aproximou-se dela.
- Olha, olha – disse ela, continuando na brincadeira – tu também já estás ébrio como o teu amigo?
Luís riu-se, virando inconscientemente a cara para o lado o que levou uma madeixa mais clara do seu cabelo a cair-lhe sobre os olhos. Mecanicamente levantou a mão e afastou-a num gesto singular. Joana assistia maravilhada. Ele fica mesmo bem quando se arranja, pensava.
- Ébrio? Mas queres palavras caras, é? – questionou Luís, rindo-se.
- Qual caras! Ébrio é alcoolizado. Até parece que não sabias. – respondeu ela.
- Pois não, sou um leigo!
- Então mas afinal quem é que está com palavras caras? – ironizou Joana.
- Isto ainda não é nada. Conceder-me-ia no dia posterior o deleite da sua companhia para uma breve deambulação por essas áleas desta metrópole? – questionou ele.
Joana continuou a fitá-lo como se ele tivesse falado noutra língua.
- Desculpa? – gaguejou, piscando os olhos.
- Perguntei se amanhã queres ir passear pelas ruas desta cidade. – esclareceu, rindo-se, mas questionando verdadeiramente.
Ela riu-se ligeiramente. Luís também disfarçou o nervoso miudinho com um riso supérfluo.
- Até parece que me estás a convidar para um encontro. – exclamou ela, desvalorizando a situção.
Perante o silêncio e baixar de olhar do amigo, ela percebeu que era exactamente para isso que ele a convidara. Joana estacou e fitou Luís com uma expressão indecifrável. Afinal, apesar da brincadeira, esta pergunta era a sério. Não soube muito bem porquê mas o seu pequeno coração começou a bater mais rápido.
- Mas só nós dois? – perguntou, receosa.
- Era essa a ideia. – respondeu Luís, também timidamente.
Na mente da rapariga apenas pairava uma lembrança: o que acontecera na cozinha. Apesar de já ter passado algum tempo, Joana ainda se lembrava claramente do quase beijo.
- Joana? – chamou.
- Ah, sim?
- Então, não dizes nada? – murmurou ele, com medo de interromper algum pensamento
Vá Joana, responde, dizia ela para si mesma. Do que é que estás à espera? É a tua oportunidade...
- Ah... Amanhã, não é? – perguntou ela.
- Sim... Se já tiveres coisas combinadas diz, não faz mal...
- Não, não... não tenho nada combinado. – informou, sem firmeza na voz.
- Então isso quer dizer que aceitas? – ultimou Luís.
- Sim, pode ser. Já chegámos. – anunciou ela, parando defronte da porta da sua moradia.
- E eu vou-me já embora antes que mudes de ideias! Amanhã, no café às nove da manhã?
- Ok.
Depois dos habituais dois beijinhos, Luís recomeçou o caminho para casa, bastante mais alegre. Joana ficou a vê-lo até o perder de vista. Porém, antes de ele cruzar a esquina, gritou:
- Amanhã não te esqueças de mim!
- Nunca! – assegurou Luís.

A manhã seguinte chegou rapidamente para Joana. Já estava a pé há algumas horas. Tinha percorrido mais vezes o quarto naquele dia do que em toda a sua existência. Em parte, o seu nervosismo prendia-se com o encontro que ia ter dali a umas horas; em parte com a chegada de Leonor à Alemanha. Olhou para o relógio e fez as contas de cabeça. Se ainda não aterrou, deve estar a aterrar, pensou. Não sabia qual ia ser a reacção de Bill mas também não sabia se queria mesmo saber. Varrendo rapidamente aquele pensamento da sua memória, abriu a gaveta para escolher a roupa. Pela primeira vez, não se deparou com o passaporte e as suas douradas a mirá-la. Sentiu um arrepio mas não soube até que ponto é que isso não seria satisfatório.

Em cima da cama estava quase todo o seu guarda-roupa. Luís vestia e despia camisas e t-shirts sem saber o que vestir. Não podia ligar a Nuno porque sabia que devia estar a dormir nas próximas 24 horas. Tinha que confiar no seu bom gosto e lembrar-se dos conselhos do amigo. Escolheu uma camisa branca e umas calças de ganga. Desapertou o primeiro botão da camisa e colocou a corrente ao pescoço. Deu duas borrifadelas de perfume e mirou-se ao espelho. Tinha feito o seu melhor, pensou para consigo mesmo.
Sentou-se na cama e ligou a televisão. Àquela hora só estava a dar desenhos animados. Ali ficou, à espera que o tempo passasse.

Leonor punha-se em cima de um banco para tentar descobrir alguém suficientemente alto e mal-encarado para corresponder à descrição do segurança que Georg lhe tinha dado. Rapidamente desceu do seu posto de observação quando um homem corpulento e vestido de negro se aproximou.
- Mädchen Leonor? (Menina Leonor?) – disse no seu melhor sotaque.
Ela anuiu e seguiu o sinal dele. Desceram para a garagem e, mal avistou ao longe uma carrinha preta de vidros escuros, Leonor desatou a correr, não querendo saber se alguém os via. A sua sorte era que ninguém parecia importado com uma rapariga maluca a correr por ali.
Georg tinha saltado da carrinha e abraçado a sua namorada com tanta força que as lágrimas lhe vieram aos olhos. Seguidamente, juras de amor e beijos foram trocados, num batalha de palavras sem fim. Demoraram alguns largos minutos até se recomporem e entrarem na carrinha. Sentaram-se um ao lado do outro, sempre de mãos dadas. Só se alargaram quando ela sentiu o telemóvel vibrar na mala.
- Sim? – disse.
“Leonor. Já chegaste?” – disse a voz de Bia do outro lado da linha.
- Agora mesmo. Já estou aqui com o Georg.
“Manda beijinhos para todos e diz que eu os quero para um concerto em Portugal rapidamente. Eles não pensem que raptam assim a minha amiga e se ficam a rir!”
Leonor riu-se e disse ao namorado o que a amiga havia imperado.
- Já disse. Eu devo ter cara de correio. Só sirvo para transportar mensagens. – brincou.
“Não sejas fina. Só pedi para lhes dizeres isso, mais nada.”
- Não é isso. É que a Joana também me pediu para dar uma coisa ao Bill. – informou.
Aquela frase despertou todos os sentidos de Bia. Depois de um silêncio avassalador, disse:
“O quê? Que envelope? O que é que tem o envelope?”
- Não sei, está fechado. Eu achei que não era nada de mal, afinal o que é que cabe dentro de um envelope?
Mas rapidamente se apercebeu que tinha sido parva em não perguntar a Joana o que é que ia lá dentro ou até mesmo de o abrir. Disse a Bia que agora já não o podia fazer pois já estava acompanhada. Bia não teve outro remédio que desligar e aventurar-se na descoberta.
Vestiu-se rapidamente e partiu para casa de Joana. No caminho ligou a Luís que lhe disse que tinha combinado Às nova que Joana mas quem ela ainda não tinha chegado. Os ponteiros do relógio que marcavam nove e vinte só serviram para deixar ambos mais nervosos. Talvez estivesse em casa, atrasada, pensou Bia.
- Olá! A Joana está? – perguntou à mãe dela, depois de esta lhe abrir a porta.
- Olá, querida. Não, ela saiu há uma meia hora. Disse que ia ter com um amigo. Está tudo bem? – disse, algo preocupada.
- Sim, sim... Eu é que não sabia que ela hoje ia sair. – mentiu.
Despediu-se amavelmente da mãe de Joana e afastou-se, fingindo estar despreocupada. Quando saiu do campo de visão da senhora, tirou o telemóvel do bolso e marcou insistentemente o número. Ao fim de algumas chamadas falhadas não se deu por vencida. Remarcou e voltou a ouvir aquele sinal de chamada vezes sem conta. Por fim...
“Estou?”
- Jô! – quase gritou.
“O que se passa?” – respondeu a amiga.
- Isso pergunto eu! A tua mãe disse que já saíste de casa há algum tempo e o Luís diz que ainda não chegaste. Onde é que andas? – perguntou explosivamente.
“Acalma-te. Eu só vim dar uma volta a um sítio e atrasei-me sem querer. Já estou a ir ter com o Luís. Eu já sou maior de idade, sei tomar conta de mim.”
Bia sentiu-se um bocado envergonhada por fazer uma marcação tão cerrada.
- Desculpa. Mas é que... Pronto eu conto. A Leonor disse que tu enviaste uma coisa ao Bill... Oh Joana se tu estiveres outra vez mal, podes contar-me. Eu sou tua amiga... – desabafou, libertando finalmente a angústia que sentia presa dentro do peito.
“Queres saber o que é que estava dentro do envelope? O passaporte dele. Devolvi-lhe o passaporte para poder continuar com a minha vida. Para poder acordar todos os dias e não ter de ver aquilo. Juntamente escrevi uma carta a dizer que percebi que já tinha acabado tudo e que nunca poderíamos ter mais que aquilo que tivemos. Já acabou, Bia. Foi isso que eu lhe disse.”
A amiga teve vontade de chorar. Como pôde ser tão estúpida e desconfiar de Joana que ultimamente não lhe tinha dado motivos para duvidar?
- Oh, Jô... Desculpa, fui tão parva... – pediu ela.
“Tem calma, eu percebo. Vá agora estou a chegar junto do Luís. Podes ligar-lhe para teres a certeza.” – ironizou, rindo-se no final.
- Não. Eu confio em ti. Ah... Bom encontro. – desejou Bia.

Bill acabava de ler a carta e voltava a colocá-la dentro do envelope. Leonor observava cada movimento na ânsia de ter algum sinal que lhe permitisse saber o que se passava.
- What did she say? (O que é que ela disse?) – perguntou sem se conter mais.
- You can read... (Podes ler...) – autorizou Bill, puxando dum cigarro e fitando o fumo que expelia pela boca como se fosse a coisa mais importante do mundo.
Leonor pegou imediatamente no envelope e abriu. Já tinha reparado no passaporte mas o seu interesse prendia-se mais com a carta da amiga. Leu para si.
“Dear Bill: I know you must be really confused about me having your passport. The truth is that it hasn’t been with me all this time. It doesn’t matter who had it, I wasn’t the one who took it from you. I didn’t say anything before because I thought I had nothing to say. The reason why I gave you back the passport is simple: I’m finally understanding that what we had is over. I need to move on with my life and that’s what I will do. I belong here, with my friends. I always had. I won’t try to forget you: I know I can’t. You’ll be forever in my thoughts, in my body. I can’t and I don’t want to erase what we had. I see it like a good moment that’s over. I’m not angry with you. As a matter of fact, I should be thankful for the time we spent together. I wish all the best for you and for the band. Now I understand that we couldn’t have been more than friends; after all, your world is different from mine.” (Querido Bill, eu sei que deves estar mesmo confuso sobre eu ter o teu passaporte. A verdade é que nem sempre o tive comigo o tempo todo. Não importa quem o tinha, não fui que quem to tirou. Não disse nada antes porque achei que não havia nada para dizer. A razão pela qual eu te devolvo o passaporte é simples: eu finalmente percebi que o que tivemos acabou. Preciso de continuar com a mina vida e é isso que vou fazer. Eu pertenço aqui, com os meus amigos. Sempre pertenci. Não vou tentar esquecer-te: sei que não consigo. Vais estar sempre nos meus pensamentos, no meu corpo. Não consigo nem quero apagar o que tivemos. Vejo isso como um momento bom que acabou. Não estou zangada contigo. Aliás, eu devia estar grata pelo tempo que passámos juntos. Desejo o melhor para ti e para a banda. Agora eu percebo que nunca poderíamos ter sido mais que amigos: o teu mundo é diferente do meu.”
Bill tinha estado a observar Leonor pelo canto do olho. Pela sua expressão, percebeu quando ela tinha chegado ao fim. Apesar de já ter lido, quando ela acabou a carta, foi como se a sensação de vazio se apoderasse novamente dele e o obrigasse a derramar aquela lágrima que lhe borrou a cara.
Leonor voltou a guardar a missiva e encarou Bill. Pelo meio do fumo proveniente do cigarro, ela descobriu a única lágrima de Bill, que reflectia descaradamente a luz da sala e que lhe denunciava os sentimentos mais profundos.
- You like her, don’t you? (Gostas dela, não gostas?) – inquiriu Leonor.
- Does it matter? (Isso importa?) – retornou ele, com um olhar triste e vago.
- Bill...
- Do you know why I didn’t ask her to come with me the first time we were in Portugal? (Sabes porque é que eu não lhe pedi para vir comigo da primeira vez que tivemos em Portugal?) – atirou ele, pensativo.
- No... (Não...) – respondeu Leonor, tentando-se lembrar do momento referido.
- Because I didn’t know if she would have come. I remember that she was in my room the day we left. If she had said something... If she had done something... A simple word, a sinal... Anything. (Porque eu não sabia se ela teria vindo. Eu lembro-me que ela esteve no meu quarto no dia em que viemos embora. Se ela tivesse dito alguma coisa... Se ela tivesse feito alguma coisa... Uma simples palavra, um sinal... Qualquer coisa.) – declarou, apagando o cigarro melancolicamente.
- Bill.. I’m so sorry... (Bill... Lamento imenso...) – contemplou Leonor, sem saber o que dizer.
Afinal ele gostava dela e agora mais ninguém ia saber disso. Não conseguiu não deixar de sentir pena por aquele corpo perdido que se encontrava deitado no sofá numa posição desconfortável e abandonada.

- Luís! Luís, aqui! – chamou ela, guardando o telemóvel no bolso.
Ele aproximou-se rapidamente. Estava nervoso e tinha ficado ainda pior depois do telefonema de Bia. Mas agora que ela estava ali, nada mais importava.
- Olá.
- Desculpa o atraso. – pediu ela.
- Não faz mal. Toma. Já está um bocado derretido, desculpa. – disse ele, estendendo um gelado de morango.
- Oh... Obrigada.
Joana aceitou o gelado. Luís já tinha comido o dele para evitar que derretesse mais. Começaram a andar pela rua fora, sem destino. Joana devorava avidamente a sobremesa.
- Então... Está tudo bem? – perguntou Luís, tentado parecer natural.
- Já sabes do envelope, não é? – questionou directamente.
- Ele não teve outro remédio que anuir e confirmar a suspeita quase certa dela. Joana apressou-se a contar-lhe o que dizia a missiva, tal como fez com Bia.
- Então está mesmo tudo bem? – inquiriu.
- Sim. – assegurou Joana.
O gelado tinha acabado e ela limpava lentamente a boca. Enquanto se afastou para deitar no lixo o papel, Luís ganhou coragem para dizer o que lhe ia na alma.
- Ah... Joana. Independentemente do que aconteceu, eu sempre gostei muito de ti. Não gostei do que aquele, ah... rapaz, te fez. Com o tempo, eu fui percebendo que gostava cada vez mais de ti e que ficava triste por enveredares por caminhos prejudiciais. O que eu quero dizer, é que eu gosto mesmo de ti. Como algo mais que amiga.
Luís tinha baixado a cabeça e acabado a frase quase em surdina. Joana estava sensibilizada e confortada com aquelas palavras. Sabia que eram puramente verdadeiras e ditas por alguém que sempre estivera com ela. Foi por isso que levantou levemente a cabeça de Luís, ficando a olhar directamente nos seus olhos. Aproximou-se o suficiente, como se tinham aproximado há tempos atrás, na cozinha. Porém, Luís parou; não queria obrigá-la a nada.
- Jô, eu não... – ia ele a começar, sendo interrompido pela acção dela.
Joana tinha colado os seus lábios ao de Luís e saboreava aquele momento, absorvendo cada segundo como se fosse a sua essência de vida. Luís sentiu nos lábios aquele sabor de morango que nunca mais queria abandonar. Colocou lentamente a mão nas costas dela e puxou-a para si.
Na cabeça de Joana, apenas um pensamento pairava:
“Tu sabes o que estás a fazer.”

The end.

domingo, 27 de julho de 2008

60. A CARTA

Caminhavam lentamente recebendo na face todo o fresco ar que banhava aquela noite de Verão.
- Sabes – começou Luís – estes dias têm sido mesmo perfeitos. Sem zangas, nem discussões.
- Pois, quem me dera ter sido assim no principio.
- Ai, o princípio... – disse ele, pensativo.
- Ainda te lembras? Nem nos conhecíamos. Até ao dia em que foste contra mim, lembras-te? – perguntou Joana, entrando também no espírito de recordações.
- Claro, como poderia eu esquecer... Foi a melhor coisa que me aconteceu. – revelou.
- Não foi nada, não digas disparates! – indagou Joana, brincando.
Luís parou e ficou com uma cara muito séria, desmanchando-se a rir em seguida. Joana também fez o mesmo. Naquele momento de descontracção, ele aproximou-se dela.
- Olha, olha – disse ela, continuando na brincadeira – tu também já estás ébrio como o teu amigo?
Luís riu-se, virando inconscientemente a cara para o lado o que levou uma madeixa mais clara do seu cabelo a cair-lhe sobre os olhos. Mecanicamente levantou a mão e afastou-a num gesto singular. Joana assistia maravilhada. Ele fica mesmo bem quando se arranja, pensava.
- Ébrio? Mas queres palavras caras, é? – questionou Luís, rindo-se.
- Qual caras! Ébrio é alcoolizado. Até parece que não sabias. – respondeu ela.
- Pois não, sou um leigo!
- Então mas afinal quem é que está com palavras caras? – ironizou Joana.
- Isto ainda não é nada. Conceder-me-ia no dia posterior o deleite da sua companhia para uma breve deambulação por essas áleas desta metrópole? – questionou ele.
Joana continuou a fitá-lo como se ele tivesse falado noutra língua.
- Desculpa? – gaguejou, piscando os olhos.
- Perguntei se amanhã queres ir passear pelas ruas desta cidade. – esclareceu, rindo-se, mas questionando verdadeiramente.
Joana ficou séria rapidamente. Como se fosse proibido aquele convite. Nuno fitou-a. A brincadeira só serviu para o descontrair para fazer o convite.
- Ah olha, amanhã não posso. Mas eu quero que saibas que eu vou gostar sempre muito de ti e que nunca te esquecerei. Vou lembrar-me para sempre daquilo que fizeste por mim.
- Joana Maria! Isso parece uma despedida. Afinal quem é que já está ébrio? – alvitrou ele, disfarçando a desilusão.
- Pois... Olha, chegámos a minha casa. – disse ela, avistando a sua porta. – Ficas bem?
- Claro! Vá, dá cá um beijinho a este pobre bêbedo. – pediu Luís.
Mas Joana fez mais que isso. Abraçou-se a ele com força durante largos momentos. Porém, quando se ia a afastar, sussurrou ao seu ouvido.
- Não te esqueças do que eu disse: é importante lembrares-te sempre disso.

O dia seguinte amanheceu envolto numa névoa alheia àqueles ares de Verão. Uma manta sinistra cobria o céu como se estivesse a esconder um segredo. Joana há muito que estava acordada. Fora a única que na anterior noite não havia bebido o suficiente para naquele dia dormir até tarde. Àquela hora, nove da manhã, Joana estava diante da casa de Bia, determinada a fazer o que queria.
- Bom dia, a Beatriz está? – perguntou ela, quando a mãe da amiga lhe abriu a porta.
- Joana, querida! Há tanto tempo que não te via. Está tudo bem? A mãe e o pai, estão bons? Sim, entra. A Beatriz está no quarto. Não sei o que vocês andaram lá a fazer ontem que hoje ainda não se levantou. Vai lá vê-la. Já conheces o caminho.
Joana agradeceu e entrou. Percorreu em máximo silêncio o corredor que conduzia ao quarto da amiga. Devagar, abriu a porta.
- Bia? – murmurou.
- Hum. – gemeram debaixo dos lençóis.
- Sou eu, a Joana.
Aproximou devagar para não tropeçar em nada. Com as janelas fechadas, um negro profundo invadia todo o quarto. Cerrou os olhos para poder ver melhor.
- Que é que tu queres? – disse, quase imperceptivelmente, Bia.
Joana destapou-se gentilmente, sentando-se na borda da cama.
- Olha, tenho de te dizer uma coisa. Sabes que és a minha melhor amiga desde sempre e que tudo o que fizeste por mim foi para o meu bem. Eu na altura podia não saber mas sei agora. Considero-te uma irmã e vou adorar-te para sempre. Estiveste sempre lá a ajudar quando precisei sempre me compreendeste. Prometes que nunca te esqueces?
- Tu vieste até aqui para isso? Mas tu estás mais bêbeda que o Nuno ontem, só pode. – resmungou, tapando a cabeça com a almofada
- Promete! – imperou Joana.
- Ai, pronto está bem. Prometo. Agora deixa-me dormir. – ameaçou ela com a almofada, correndo com a amiga.
Joana tirou do bolso uma pulseira sua que Bia sempre gostara. Deixou-a em cima da mesa-de-cabeceira para que ela visse quando acordasse. Em seguida,levantou-se e dirigiu-se à porta. Porém, antes de sair, olhou no escuro na direcção do vulto de Bia. Tinha a certeza de que ela nunca se ia esquecer, tinha prometido. Um dia ir-se-ia lembrar.

A muitos, muitos quilómetros dali, no aeroporto de Hamburgo na Alemanha, o voo vindo de Portugal acabara de chegar. Homenzinhos a correr tiravam rapidamente as malas para a passadeira rolante, onde os passageiros as iriam levantar. Leonor procurava agora, no meio de centenas de malas, a sua bagagem. Avistou-a ao longe. Duas malas vermelhas avançavam lentamente na sua direcção. Com um impulso rápido, puxou-as de uma vez. Levantou a alavanca e começou a puxá-las, rolando estas sobre as suas pequeninas rodas.
Mas onde é que ele se meteu, perguntava-se Leonor, levantado a cabeça acima da multidão para procurar alguém com aspecto de segurança enviado por Georg. Ao ver que as suas investidas não revelavam ninguém, não teve outro remédio que puxar do telemóvel.
- Where are you? (Onde é que estás?) – perguntou ela, depois de marcar o número do namorado.
“I’m sorry baby. I’d to run away from the photographers. I’m almost there. (Desculpa bebé. Tive que fugir dos fotógrafos. Estou quase ai.)” – assegurou Georg do outro lado do telefone.
- Ok.
Restando-lhe apenas esperar, Leonor deitou as malas no chão, um por cima da outra, e sentou-se em cima delas. Sem nada para fazer e com o telemóvel na mão, resolveu ligar para Bia.
- Bia! Já cheguei! – disse entusiasmada, um pouco alto, o que lhe valeu uns olhares furtivos de uns turistas que por ali passavam e que não reconheceram a língua.
“Bom dia! Tiveste sorte. Acordei agora mesmo.” – disse uma voz, ainda de sono.
- Mas aí é uma da tarde! – exclamou Leonor.
“Pois, a noite de ontem deu cabo de mim. E digamos que carregar o teu irmão não ajudou muito!”
- Pois foi. Ainda nem lhe liguei. Deve estar com um ressaca daquelas...
“Eu daqui a bocado vou ter com ele. Oh...”
- O que foi? – perguntou logo, depois de ouvir o espanto de Bia.
Bia tinha-se levantado e visto a pulseira na sua mesa-de-cabeceira. Quando acordou teve uma breve memória de Joana ter estado ali mas rapidamente se esqueceu disso quando viu as horas. Agora, com aquela pulseira ali, voltou a pensar nisso.
“A Joana. Acho que esteve aqui.”
- Achas? Então não tens a certeza? – perguntou Leonor, confusa.
“Não, foi de manhã. Sim, foi isso. Ela esteve cá. Pensei que tivesse sonhado, mas agora encontrei aqui aquela pulseira dela que sempre gostei, sabes qual é?”
- Sim. Mas o que é que tem?
“Agora que penso nisso, ela estava esquisita. Fez-me prometer que nunca me ia esquecer dela e que ela sabia que eu tinha estado sempre com ela. Qualquer cena de ser a sua melhor amiga.”
- Pois. Olha, liga-me tu daí que eu estou a ficar sem dinheiro. Só quando o Georg me vier buscar é que vou carregar o telemóvel e mudar para um tarifário internacional. – pediu ela.
“Ok, vou só ligar ao teu irmão e ao Luís para saber se está tudo bem. Até já.”
- Boa sorte com o meu irmão. – desejou Leonor, desligando.

- Sim? – respondeu ele sonolento para o auscultador.
“Bom dia, Luís!” – exclamou ela.
- Ei, oh Bia. Fala baixo. Que horas são? – perguntou Luís, abrindo os olhos para ver o despertador. – Ei! É tarde.
“Pois. Só liguei para saber se estava tudo bem. Já tenho a minha resposta. Tu também estás bonito. Estou a ver que os homens é que se divertiram.” – disse ela.
- Que piada. E não foram só os homens. A Joana também estava bonita. Quando a levei a casa já estava tão alegre que já dizia que nunca se ia esquecer de mim e que era muito importante para ela. Devias ter visto. – informou Luís, rindo-se.
Do outro lado de telefone, a expressão de Bia mudou repentinamente.
“Espera aí. Ela disse que nunca te ia esquecer e que eras importante? Ela também disse para nunca te esqueceres disso?” – perguntou ela, com uma voz séria.
- Sim... Porquê? Bia, conta-me o que se passa. – pediu alarmado, já sem vestígio de sono.
“Não sei Luís, mas acho que ela se está a despedir de nós. Tenho que falar com a Leonor. Tenho quase a certeza de que vai acontecer alguma coisa.”
Bia desligou rapidamente e apressou-se a marcar o número de Leonor.
“Estou?”
- Sim, Leonor? Olha está para acontecer alguma coisa. A Joana ontem disse coisas estranhas ao Luís e hoje fez a mesma coisa comigo.
“Mas coisas estranhas como?”
- ‘Pá, como se se estivesse a despedir de nós. Acho que ela vai fazer algo ou então já fez. – confessou Bia.
“Espera!”
Uma ideia assombrou rapidamente a cabeça de Leonor. O envelope para Bill. Tinha que estar relacionado, tinha de estar. Rapidamente pulou de cima das malas e abriu uma, procurando o envelope. Sabia que o tinha posto ali. Escova do cabelo, dos dentes, maquilhagem, perfumes, onde é que estava? Finalmente encontrou-o.
“Bia? Olha eu ontem nem pensei nisso mas a Joana pediu-me para entregar um envelope ao Bill. Tenho-o aqui. Está fechado. Abro?”
­ - Claro! Isto não é momento para isso. Abre e diz o que está lá dentro. Eu sabia que esse tipo tinha que estar relacionado com isto.
Leonor abriu. Imediatamente deu de caras com um pequeno livrinho com letras douradas. Ao folhear, encontrou uma página solta.
“Bia... É o passaporte dele. Do Bill! E está aqui uma folha escrita. É a letra da Joana.”
- E o que é que diz? – perguntou com um misto de curiosidade e ansiedade.
“Diz: Dear Bill, I know you must be really confused about me having your passport. The truth is that it hasn’t been with me all this time. It doesn’t matter who had it, I wasn’t the one who took it from you. I didn’t say anything before because I thought I had nothing to say. The reason why I gave you back the passport is simple: I’m finally understanding that what we had is over. I need to move on with my life and that’s what I will do. Don’t bother trying to find me: I won'’t be in the same place. For a while, no one will know where I am. When I think it’s time to come back, I’ll let you know. For now, I have to go, alone, to be with myself, to find new things. I know you didn’'t take me with you because it was the best for me, but I would have gone. I think, after all this time, I understand why you didn’'t do it: because your world is different from mine. (Querido Bill, eu sei que deves estar mesmo confuso sobre eu ter o teu passaporte. A verdade é que nem sempre o tive comigo o tempo todo. Não importa quem o tinha, não fui que quem to tirou. Não disse nada antes porque achei que não havia nada para dizer. A razão pela qual eu te devolvo o passaporte é simples: eu finalmente percebi que o que tivemos acabou. Preciso de continuar com a mina vida e é isso que vou fazer. Não tentes encontrar-me: eu não vou estar no mesmo sítio. Durante uns tempos ninguém vai saber onde eu estou. Quando achar que está na altura de voltar, avisar-te-ei. Por agora, tenho de ir, sozinha, para estar comigo, descobrir coisas novas Eu sei que não me levaste contigo porque era o melhor para mim, mas eu teria ido. Penso que, depois de este tempo todo, percebo porque não o fizeste: porque o teu mundo é diferente do meu.)” – acabou ela de ler.
- Leonor, ela vai fugir, ela vai fugir! Tenho de ir – gritou, desligando em seguida.
Tudo o que se passou a seguir foi muito confuso. Bia vestiu-se rapidamente e saiu de casa. No caminho ligou a Luís, que imediatamente foi ter com ela a casa de Joana, e fez inúmeras tentativas de chamada para ela. Joana nunca atendeu. Alguns minutos mais tarde e quase sem fôlego, tinha chegado a casa da amiga.
- A Joana? – perguntou sem saudar.
- Beatriz? O que se passa? – perguntou a mãe dela, assustada.
- Onde é que está a Joana? – repetiu.
A mãe encolheu os ombros e afastou-se da porta. Como uma flecha, Bia entrou e foi ao quarto dela. As gavetas estavam abertas e sem roupa, os sapatos desarrumados, em cima da cama estava a caixa onde ela guardava o dinheiro, vazia. Apenas um papel figurava, dobrado, em cima da mesa-de-cabeceira. Bia desdobrou.
“Quando vocês estiverem a ler isto, já eu vou estar bem longe. Percebo que agora fiquem chateados, mas com o tempo vão entender que era isto que eu tinha de fazer. Não avisei ninguém porque sabia que me iam impedir; mas acreditem que aí já não era o meu lugar. Parto para um destino que no momento de embarcar logo decido; vou trabalhar, conhecer novas pessoas, culturas, o mundo. Não me tentem encontrar; escrever-vos-ei em breve. Para sempre vossa, Joana.”

Bill tinha acabado de ler a carta e uma pequena lágrima fugiu, borrando-lhe a bochecha com rímel.
- I’m so sorry. (Eu lamento imenso). – confortou Leonor, também perdida em lágrimas nos braços de Georg.

Luís e Bia dobraram novamente a carta e estenderam-na à mãe de Joana. Ela sentou-se na cama, amparando-se para não cair.
- Tenham calma, ela teve muito tempo para pensar isso. – disse Luís, sem força na voz.
- E se ela não sabe o que está a fazer?

Num lugar longe, mesmo muito longe, Joana descia do autocarro e cerrava os olhos por causa do Sol. Encheu os pulmões de ar com força e energia. Baixinho, disse para si mesma.
- Tu sabes o que estás a fazer.

The end.


NOTA DA AUTORA:
Caros leitores e leitoras,
Acredito piamente que muitos de vocês não esperavam esta reviravolta tão grande na história. Acredito ainda mais que muitos não esperavam que acabasse já. A verdade é que eu já sabia há algum tempo que ia ser assim. Já tinha pensado e até tido algumas ideias.
A minha ideia foi sempre que a Joana acabasse sozinha, só consigo. Sei que haverão pessoas a defender o contrário. Para essas pessoas, é com alegria que informo que irão ser escritos mais dois finais alternativos. Assim, espero estar à altura dos vossos pedidos e não decepcionar ninguém. Dentro de dias, irei então escrever, mas gostava que vissem este final como aquele que eu sempre quis, como sendo o oficial.
Entendam que não fazia sentido a banda regressar a Portugal; era esticar a história, torná-la monótona e sem interesse.
Por agora fica este final de uma autora que agradece imenso os vossos comentários e agradecia ainda mais que tecessem alguma espécie de opinião sobre a história e/ou o final. Opinem!
Por uns tempos vou parar de escrever. Espero que percebam que foram duas FanFiction seguidas e o cansaço é muito. Mas que já tenho algumas ideias aqui a passear para uma nova história, lá isso tenho.
Um muito obrigada a todos e todas, com muitos beijinhos
Elisabete.

sexta-feira, 25 de julho de 2008

59. A BEBEDEIRA

- Mãe, eu já venho. Vou só tomar um café com o Luís. – gritou.
- Joana! – retornou uma voz vinda da cozinha.
- O que foi? – perguntou ela, detendo-se com a mão na porta.
- Onde é que vais? – perguntou-lhe a mãe.
- Só vou ao café. Tem calma, já sou crescida.
Rendida àquela frase, a mãe de Joana não teve outro remédio que deixá-la ir. No entanto esperou até ver a filha a cruzar a esquina; depois deu-lhe um aperto no coração.
Joana ia ter com Luís que já estava à espera dela no café. Estava nervosa mas sabia o que ia dizer. Tinha pensado nisso durante a tarde que passou na banheira, desembrenhando-se do cheiro a laranja espremida pela sua cabeça. Ela não esperava era vê-lo tão diferente.
- Uau. Estás... diferente. – exprimiu-se Joana quando o viu.
Luís virou embaraçado; as narinas começaram a dilatar.
- Mas fica-te bem. – apressou ela a acrescentar.
Sentou-se e pediu um café. Esperaram dois minutos e beberam-nos. Pronto, agora era só falar, pensava Joana.
- Bem, ah, Luís... Vou directa ao assunto. – começou ela.
- Está bem.
- Eu sei que nos conhecemos quando eu estava a entrar para uma fase conturbada da minha vida. Não foi por isso que tu não ficaste meu amigo, antes pelo contrário: ficaste. Foste uma das únicas pessoas que estava lá quando eu precisei. Eu agora sei que se não fosses tu naquele dia, hoje eu podia não estar aqui a falar contigo...
- Isso não interessa agora. – desvalorizou ele que sabia que falar daquele assunto era complicado para Joana.
- Deixa, não faz mal. Em parte, devo-te a minha vida. É por isso que eu não tinha direito nenhum de te falar naquele dia da forma que te falei. Tu ajudaste-me, estiveste lá ao meu lado, eu não devia ter-te tratado assim. E o que mais me chateia é que eu estava tão cega por... bem, tu sabes, que nem via os meus amigos. É por isso que eu te quero pedir desculpa. Por tudo. E também agradecer, é que depois de todos estes acontecimentos menos bons, tu estás ao meu lado.
- Não é preciso tanto. – respondeu Luís timidamente.
- Claro que é. Muita gente não tinha feito o que tu fizeste. Considero-te mesmo meu amigo.
- Isso é porque sou. Gosto mesmo muito de ti. – finalizou ele.
Só que ele gostava mesmo dela. Ela não sabia e ele não achou oportuno levantar aquele assunto. Já era maravilhoso, perfeito até, estarem novamente amigos e terem resolvido tudo.
No final daquela conversa, Luís acompanhou Joana a casa e despediram-se com dois beijinhos, desta vez não se confundindo nos lados. E ele seguiu para casa, feliz da vida.

Dias haviam passado desde a noite em que Joana e Nuno tinham resolvido as coisas. Desde então, nunca mais houvera discussões ou outro tipo de conflitos entre os amigos. Passavam os intervalos todos juntos e a divertirem-se. Bia já achava que nada ia ser igual; Luís estava cada vez mais confiante para falar a Joana sobre o facto de gostar dela.
Mas havia algo que não estava bem. Joana estava esquisita. Durante aqueles dias em que andava a reconciliar-se com Luís, esquecera-se de Bill. Mas depois, a seguir de voltar tudo ao normal, Joana voltou a pensar nele. Tinha sido uma anestesia de curta duração. Bill nunca mais havia dito nada e ela também não. Por precaução, ninguém sabia destes pensamentos que vagueavam na mente dela. Mas eles estavam lá, a todos os momentos livres que ela tinha, todos os segundos que a permitiam fugir em pensamento, era para junto dele que fugiam. Voltava a lembrar-se da estrela tatuada, dos momentos passados na piscina, no quarto, dos carinhos e frases trocadas um com o outro, de tudo.
E neste momento, naquele dia, Joana estava outra vez submersa nesses sonhos.
- Estás aí, Jô? – perguntava Bia, que a chamava há alguns minutos.
- Ah, sim. O que é? – disse ela, emergindo para o mundo real.
- A Leonor. Ligou agora, diz que se vai embora amanhã de manhã. Quer que nos encontremos todos no café hoje à noite. Vens? – quis a amiga saber.
- Claro.

Faltavam apenas algumas horas para a hora marcada por Leonor para se encontrarem. Nuno, o irmão, Bia e Luís iam estar todos lá para dizerem adeus, desta vez sabendo lá até quando, à amiga. Leonor já tinha tratado tudo e ia-se agora embora, para junto do namorado e da banda, embarcando numa viagem alucinante, pela qual milhares de fãs matavam.
Era nisso que Joana, deitada na banheira cheia de espuma, pensava. Na sorte que a amiga tinha: aventurar-se por esse mundo, descobrindo novas culturas, novas pessoas, sem olhar para trás. Joana sentia-se fascinada com isso. Secretamente, admirava Leonor por deixar tudo e partir atrás do namorado.
A água começou a gelar-lhe a pele, agora enrugada como pele de galinha. Levantou-se rapidamente, ligando o chuveiro que fez desaparecer cada pedaço de espuma que ainda teimava em colar-se à sua pele. Com cuidado, desligou a água e saiu do banho. Enrolada na toalha, foi para o quarto e abriu a cómoda da roupa para tirar umas calças e uma camisola.
Foi quando o viu. Guardado fazia meses, o antigo passaporte de Bill Kaulitz estava agora a descoberto, exibindo as suas letras douradas que brilhavam com o reflexo do candeeiro. Estagnada e presa ao chão, Joana fitava-o quando teve uma ideia. Pegou rapidamente aquele pequeno documento de letras douradas e sentou-se na secretária, apenas com o lençol a cobrir-lhe o corpo. Pegou numa caneta e numa folha pequena e começou a escrever na sua letra mais bonita e perfeita. Escrevia em inglês. Quando acabou, dobrou delicadamente o papel e colocou-o dentro do pequeno livro de douradas inscrições. Abriu uma gaveta, tirou um envelope e colocou lá dentro o passaporte. Passou ligeiramente a língua na cola e fechou o envelope, selando-o.
Vestiu-se, secou e penteou o cabelo, pegou na mala, tendo o cuidado de levar consigo o envelope.
- Mãe, vou à despedida da Leonor. Devo voltar tarde. – avisou.
- Ok, manda-lhe um beijinho meu e tem juízo.
Fechando a porta atrás de si, Joana saiu e caminhou até ao café ao lado da escola. Como Àquela hora já não haviam autocarros, teve que ir a andar, recebendo na cara cada lufada de ar fresco.
- Jô! Jô! Aqui! – gritou Bia, que a tinha avistado ao longe.
Joana tinha chegado ao café e constatou que a única pessoa que faltava era Leonor.
- A Leonor? – perguntou ela.
- Quando eu saí de casa ela ainda se estava a vestir. – respondeu Nuno.
Alguns minutos depois, com brincadeiras pelo meio para não se deixarem vencer pelo frio, uns faróis iluminaram a rua, dando sinal que o carro de Leonor se aproximava.
- Desculpem, desculpem. Aqui o meu querido irmão tomou banho primeiro e eu atrasei-me. Deixa lá que a partir de amanhã já tens a casa de banho toda para ti. – desculpou-se ela, saindo do carro.
Entraram todos, escolheram uma mesa e sentaram-se, puxando cadeiras para ficarem todos juntos.
- Bem, como vocês sabem, estamos aqui hoje... – começou ela.
- Leonor Eduarda! Tu livra-te de começares o discurso sem antes pagares umas bebidas. – avisou o irmão, interrompendo-a.
- Entendido, Nuno Miguel! Olhe, se faz favor, são cinco safaris cola. – pediu ela ao empregado.
Depois de beberem, retomaram os velhos discursos das saudades e de ligarem todos os dias uns para os outros. Ao fim de alguns copos, Nuno, já tocado pela bebida, respondia o mesmo cada vez que a irmã abria a boca.
- Banalidades, banalidades.
Aquilo fez Joana lembrar-se de um vídeo de Bill a tentar falar com um Tom bêbedo ao lado. Estava outra vez a derramar-se sobre o vocalista, quando o telemóvel de Leonor tocou e ela pediu silêncio.
- Esperem, calem-se. É o Georg.
- Diz-lhe que eu mando beijinhos. – disse Nuno, alto de mais.
- Parvo. Eu aviso já que não te carrego para o quarto. Vou lá fora atender. – informou Leonor.
Bia e Luís tentavam convencer Nuno a parar de beber, deixando Joana à vontade para se debruçar no pensamento interrompido. Estava novamente a pensar em Bill; será que ele também pensava nela?
- Joana! – chamou Luís.
- Sim?
- Não concordas? – perguntou ele.
- Com o quê? – respondeu ela, confusa.
- Que ele já bebeu demais. Acabei de te perguntar isso, não ouviste?
- Sim, sim. Acho. Eu vou lá fora falar com a Leonor, está bem? Já volto. – disse Joana, levantando-se e saindo.
Lá fora, teve que cruzar os braços para não ter frio naquela noite traiçoeira de Verão.
- Love you too. (Também te amo.) – despedia-se Leonor, ao telefone.
Estava de costas e só quando se voltou é que percebeu que tinha companhia.
- Joana! Não te ouvi chegar. Vamos? – disse ela, fazendo menção de entrar.
- Espera!
Leonor deteve-se, voltando para trás.
- Sim?
- Posso pedir-te um grande favor? – pediu Joana.
- O que é? – disse com medo Leonor.
- Não é nada de mal. Como amanhã te vais juntar a eles, eu pensei se podias entregar isto ao Bill. É algo pessoal que eu tenho que devolver.
Joana meteu a mão à mala e retirou o envelope Ainda com receio, Leonor esticou o braço e aceitou-o. Afinal que mal é que podia estar dentro de um mero envelope?
- Claro, eu entrego. Está tudo bem? – questionou ela.
- Sim.
Iam para entrar novamente no café quando Luís e Bia saíram, amparando Nuno, que já não se aguentava em pé nem dizia coisa com coisa.
- Este aqui precisa de ir já para a cama. – avisou Luís.
Leonor resmungou e destrancou o carro. Com a ajuda de todos, deitaram Nuno no banco de trás, adormecendo logo.
- Bem, parece que a noite fica por aqui. Já é tarde e eu ainda tenho que o carregar para a cama. – disse Leonor.
- Eu ajudo-te, deixa lá. – ofereceu-se Bia.
- Vocês desculpem mas não vos posso oferecer boleia porque aquele traste está a dormir no banco todo.
- Deixa lá. Vamos a pé. Posso acompanhar-te a casa, se quiseres. – ofereceu-se Luís também, virando-se para Joana.
- Obrigada.
Depois de muitos beijinhos, abraços e algumas lágrimas, Leonor e Bia entraram no carro. Luís e Joana ficaram a vê-las cruzar a esquina.
- Vamos? – disse Luís no momento em que os faróis deixaram de se ver.
- Sim.

To be continued...

quarta-feira, 23 de julho de 2008

58. O PERFUME

Joana tinha acabado de limpar a camisa e pousou o pano em cima do balcão.
- Obrigada. – agradeceu ela ao empregado.
Luís segurava nos livros dela, fitando ininterruptamente os sapatos; se continuasse assim, ia ter que comprar uns novos já que aqueles estavam a ficar gastos. Timidamente, levantou a cabeça e viu que a mancha laranja estava agora mais clara.
- Não te preocupes. Isto sai na máquina. – assegurou ela quando o viu a olhar.
Só que Luís não estava tímido por ter entornado o sumo, quer dizer, também tinha a ver com isso, mas ele estava assim porque não reparou onde estava a limpar. Que desastre de dia, pensava ele.
- Vamos? – perguntou Joana.
Ele nem pensou duas vezes, saindo imediatamente dali.
- Ah, Joana. Desculpa, foi sem querer. Não entornei o sumo de propósito nem foi minha intenção... Ah, tu percebes. Desculpa pelas duas coisas. – pediu Luís.
Joana também tinha corado agora. Era a sua vez de fitar os sapatos. Mas não podia deixar de dizer o que queria só por causa daquilo. Vá Jô, é agora, pensava ela para consigo mesmo.
- Olha, o que eu te queria dizer lá no café... – começou, sendo interrompida por ele.
- Não te preocupes. Podemos combinar as aulas para um dia qualquer. Diz um dia que te dê jeito e um local, que eu apareço. – ofereceu Luís, amavelmente.
- Ah, sim isso. Obrigada, mas não era isso que te ia dizer. Aliás, eu nem sei se vale a pena ter explicações...
- Que é que queres dizer com isso? – perguntou ele, curioso e preocupado.
- Ainda não sei. Mas isso não é importante. Nós temos que falar sobre nós. Sobre o que aconteceu. – declarou Joana.
Luís parou. Não estava, de facto, à espera daquilo. Sentiu as suas bochechas a denunciá-lo, ficando cada vez mais quentes e vermelhas; sem querer deixou cair os livros de Joana que ainda levava, mas logo se prontificou a apanhá-los; as suas narinas dilataram, como faziam sempre quando ficava nervoso antes dum teste ou exame.
- Mas aqui? Agora?
- Não. Não estou em condições neste momento. – respondeu ela, apontando para a grande nódoa que a cobria.
- Quando, então? – perguntou Luís.
Tinha chegado à casa de Joana. Luís tremia tanto que teve que meter as mãos nos bolsos para disfarçar.
- Hoje à noite. Vem ter comigo aqui. Depois vamos dar uma volta, beber um café. Pode ser? – questionou Joana.
- Sim, claro. Eu depois dou-te um toque quando chegar. Até logo.
- Pois, está bem. Ah...
Outra vez beijinhos? Oh, não! Mas desta vez até que se saíram bem. Aquilo com prática até ia lá, pensou ele.

- Mas que cheiro é este? – perguntou Nuno, ao entrar no quarto.
- Ei, meu. Achas que exagerei? – perguntou Luís, na dúvida.
- Ai o cheiro és tu?
Luís correu para a casa de banho, ligou o duche, despiu-se e enfiou-se lá dentro.
- Só para eu ficar esclarecido, quantas vezes é que já te vestiste? – quis Nuno saber.
- Pá, esta é a segunda vez. – gritou Luís por cima do som da água a cair.
Nuno esperou sentado na cama pelo amigo. Fazia agora meia hora que tinha recebido uma chamada “urgente”. Luís ia encontrar-se com Joana e estava a desesperar. Na ânsia de obter alguma ajuda, chamou o amigo para o aconselhar.
- E agora o que é que eu visto? A roupa que tinha escolhido está cheia de perfume. – lamentou-se ele, regressado do banho.
- Então! Pareces uma mulher. Veste qualquer coisa, uma camisa, umas calças e uns sapatos.
Realmente era aquele o estilo que Nuno usava e por isso é que o recomendava. Desde os tempos em que andava com o seu grupinho, Nuno sempre se vestia bem. Andava sempre de roupas e ténis de marca, sempre modernos e actuais, corrente larga ao pescoço e argola na orelha esquerda. Era a típica personagem acabada de sair dos Morangos. Mas Nuno tinha mudado. Por fora podia continuar o mesmo, afinal havia uma imagem a manter, mas por dentro estava diferente. Já não era a mesma pessoa que quando via Bia e Joana começava a gozar por causa dos Tokio Hotel. Agora percebia os problemas delas e até ajudava. Claro que isso lhe valeu uma dispensa dos seus alegados ex-amigos. Mas era coisa com que ele não se importava.
- Espera, deixa-me ver. – pediu ele, aproximando-se do guarda-roupa de Luís.
Escolheu uma camisa branca com quadrados azuis-claros, umas calças claras e os ténis que Luís costumava usar.
- Veste.
Luís nem perguntou, vestiu-se imediatamente. Afinal, tinha sido para ajudar que tinha chamado o amigo ali.
- Que achas? – perguntou Luís, regressando vestido da casa de banho.
- Está bem... Falta ai algo. Corrente comprida tens? – inquiriu Nuno.
- Tenho mas não é bem o meu estilo. – respondeu timidamente.
Luís era aquela pessoa que nunca se tinha importado muito com o estilo. Todos os dias vestia uma t-shirt escolhida ao acaso, um par de calças, calçava o ténis e saia de casa sem sequer se ver ao espelho.
- Cala-te. Hoje tudo é o teu estilo. Mete o colar e, já agora, despenteia o cabelo um bocado. E não metas perfume, acabaste de tomar banho. – imperou ele, ao ver Luís precipitar-se na direcção do frasco.
- Estou bem assim, meu? – perguntou pela milésima vez.
- És definitivamente pior que elas. Vai. Boa sorte. – atirou-lhe Nuno.
- Sim, bem preciso.

To be continued...

terça-feira, 22 de julho de 2008

57. O SUMO

Se a primeira prova pareceu retirada de um filme cómico, então o resto do dia foi uma comédia romântica. Naquele dia não tinham aulas juntos mas isso não os impediu de se embaraçarem em cada momento que estavam juntos.
Ao primeiro intervalo, e depois de uma longa reflexão de ambos durante a aula sobre o que tinha acabado de acontecer, lá se voltaram a encontrar.
- Então, correu bem a aula? – quis Leonor saber.
- Ah... Sim. – respondeu Luís, ainda aluado.
Bia piscou o olho a Nuno, como quem diz, vê esta agora.
- Então e a aula foi de quê? – perguntou ela.
Ele, que continuava com a cabeça na Lua, pareceu meditar sobre aquela pergunta. Era como se aquilo valesse uma boa nota no teste.
- Ah... – balbuciou ele.
- Português, certo? – ajudou Nuno.
- Ah, sim. Não! Isso é agora, antes foi Matemática. – lá disse Luís.
Joana continuava a olhar para baixo, como se não tivesse passado tempo nenhum entre o cumprimento da manhã e o intervalo.
- Jô! Acabei de te arranjar uma solução para te salvar o ano! – anunciou Bia.
Mas Nuno já devia conhecer a namorada, sempre com alguma ideia maluca, porque é que ele ainda não tinha previsto aquilo?
- Ai sim? – perguntou, algo desinteressada, a amiga.
- Claro! Jô – disse ela, pegando na mão de Luís – apresento-te o teu novo explicador. – revelou ela, triunfante.
Joana levantou imediatamente o olhar; Luís regressou da Lua. O quê? Teriam eles ouvido bem? Pelos vistos sim, já que eles estavam os dois com a mesma cara de constrangimento.
- Olhem, que pena, está a tocar. Têm de combinar os detalhes depois. Vamos? – disse Bia.
Ela e Nuno começaram a andar, deixando os outros dois para trás, especados um em frente do outro sem saber o que dizer ou até mesmo o que fazer.
- Tu és a pior pessoa que eu já conheci. – disse Nuno à namorada.
- Eu sei. Não me adoras por causa disso? – perguntou ela, extravagantemente.
- Amo! – assegurou ele.
- Ei! Vamos, já chega de conversa. – gritou Bia, virando-se para trás.
Conversa? Joana pensou se a amiga estava a falar para eles, já que conversa era coisa que ali não existia. Lá se arrastaram os dois atrás de Bia e Nuno.
Prova número dois: superada. Vá, pronto, meio superada. Mas Joana já as tinha contadas; ai quando apanhasse Bia... Estava feita. Ainda ficava era a faltar a segunda parte da prova: encontrar-se com Luís para combinarem as coisas.
Lá se passou a tarde toda, com peripécias hilariantes a cada minuto. Quando soou o toque de saída, o último naquele dia, Joana quase que implorava para haver mais aulas. Luís nem tinha prestado atenção ao resto das aulas. Quem assistia a isto, achando sempre imensa piada, era Bia e Nuno. Foi a rirem-se escandalosamente que os viram irem para o café, combinar as aulas.
- Espera aí, vai andando. Eu tenho que ir ai num instante falar cm a Bia. – pediu Joana a Luís.
- Está bem. Queres alguma coisa? – perguntou ele.
- Sim, um sumo de laranja, se faz favor.
Ficou a vê-lo encaminhar-se para o café. Quando o perdeu de vista, virou-se para trás e procurou a amiga, que quase que apostava que estava a assistir à cena. Não teve de esperar muito até Bia aparecer, preocupada por ainda estar ali.
- Tu não devias ter ido com o Luís? – perguntou, não disfarçando.
- Dona Beatriz! Que raio de ideia é esta? Nos os dois parecemos o preto e branco, de tão desalinhados que estamos, e u sugeres explicações? – inquiriu, ameaçadoramente.
- Pá, cala-te. Vai mas é atrás do rapaz. Ainda te fiz um favor, vais ver. Vocês não podem continuar assim para sempre. Pensas o quê? Que vão ficar sem se falar? E eu que vos ature, não é? Pois bem, vai à luta. – respondeu Bia.
Joana deteve-se. Não tinha resposta para aquilo. Talvez porque ela tivesse razão. Eles não podiam ficar chateados para sempre, tinham de resolver as coisas. Lá se deu por vencida e recomeçou o percurso até ao café.
Lá chegada, empurrou a porta e procurou-o. Avistou a sua t-shirt de costas para ela, ao balcão. Aproximou-se.
- Luís, nós... AI! – gritou.
Todas as cabeças do café se viraram para ela, quando o seu grito ecoou pela sala. Joana estava toda coberta de sumo de sumo de laranja. Uma grande nódoa que começava na sua camisa branca, prolongava-se até às calças de ganga, encharcando-a com aquele líquido perfumado.
No momento em que Joana tinha chamado pelo seu nome, ele preparava-se para transportar o copo do seu sumo para a mesa. Assustando-se com a voz dela, Luís virou-se repentinamente, derramando sobre o peito da amiga, todo o conteúdo do copo.
- Desculpa! – apressou-se Luís a dizer.
Virou-se para o balcão e pediu um pano. Imediatamente a seguir, ajudou Joana a limpar a camisa. Só que, de tão nervoso que estava, nem se apercebeu do sítio onde estava a limpar.
- Ah, Luís, eu limpo aí. – disse, envergonhadamente.
Luís corou até à porta das orelhas.

To be continued...

domingo, 20 de julho de 2008

56. A PROVA

“Estou?”
- Bom dia, Bia. Já sabes alguma coisa? – disse a voz de Luís, para o auscultador do telemóvel.
“Não. Eu ontem liguei mas ela disse que estava tudo bem e que nos encontrávamos hoje na escola como de costume.”
- Ah, então vemo-nos lá. Ate já. – disse ele, desligando.
Estava nervoso, consideravelmente nervoso. Na tarde anterior, depois de ajudar Joana, acompanhou-a a casa, num percurso silencioso e sem contacto visual. Não tinham falado, muito menos encarado um com o outro. Não sabia como estavam as coisas: por um lado queria terrivelmente ajudar Joana, mas por outro, será que ainda estavam chateados?
Ainda no dia anterior, Luís tinha ligado a Bia a contar o que se passava: por um lado era bom que Joana tivesse tomado a iniciativa de mandar Salvador embora, mas por outro, agora ela já sabia que ele estava outra vez pronto a oferecer “ajuda.” Por sua vez, Bia tinha ficado extremamente espantada e feliz com a atitude da amiga. Por momentos chegou a pensar que desta vez iria ser diferente mas rapidamente afastou esse pensamento e voltou a erguer as armas: não podia iludir-se pelas aparências.
Depois de desligar, Luís arranjou-se e saiu de casa, com a esperança de que Joana soubesse como estavam as coisas. Estava decidido que não ia pensar nisso e depois logo se via, conforme as atitudes dela.

A muitos prédios de distância, mais precisamente no prédio de Joana, esta também se deparava com algumas dúvidas, que teimavam em passear na sua cabeça. A discussão deles tinha sido feia, mas será que a tarde anterior, em que ninguém disse nada, tinha sido suficiente para revólver as coisas? Ou será que Luís continuava chateado e só a tinha ajudado por pena? Bem, podia não saber a resposta mas a única forma de descobrir era indo até à escola e esperar pela reacção dele. Só esperava que ele não tivesse com as mesmas dúvidas que ela, caso contrário, iria ser o desastre total.
Acabou por se levantar da cama, ir à casa de banho e vestir-se. Tomou o pequeno-almoço em casa, como fazia ultimamente para evitar as conversas no café logo de manhã, pegou na mala e saiu.

- Bom dia. – saudou Bia.
- Olá. – cumprimentou Luís, dando dois beijos à amiga e um aperto de mão a Nuno.
- Há novidades? – perguntou Nuno, que também já estava a par da situação.
Agora, com a irmã em casa, era mais fácil dar notícias. Bastava ligar para Leonor ou Nuno que cada um se encarregava de avisar o outro.
- Não. Ela ontem não disse nada e eu estou à espera de hoje para ver como ela reage. – respondeu, deixando transparecer na voz o nervoso miudinho que o atormentava.
- Tem calma, vais ver que vai correr tudo bem. Relaxa. – aconselhou o amigo.
- Ai não relaxes, não. Não relaxes porque a Joana vem ali. – informou Bia que estava atenta à chegada dos autocarros.
Luís tremia de alto a baixo. E se ela não lhe falasse? E se ela o ignorasse? Tinha que estar atento, tinha que reparar nos sinais. Não podia decidir falar com ela assim de repente, porque Joana é que tinha dito para ele não se meter na vida dela.
Mas na cabeça de Joana pairava o mesmo pensamento: iria agir conforme as atitudes de Luís. Sabia que não podia ser ela a decidir falar-lhe ou não, afinal de contas, tinha sido ela a dizer-lhe para a deixar em paz. Ele ainda podia estar chateado.
- Olá, Jô. – disse Bia, cumprimentando a amiga com dois beijinhos.
Seguiu-se Nuno que fez o mesmo. A partir daí, a desgraça foi total. Se alguém assistisse a esta cena, poderia achar que tinha sido retirada de um filme cómico e mudo. Depois de cumprimentar Nuno, fez-se silêncio. Apenas Bia e Nuno olhavam um para o outro. Joana e Luís olhavam os dois para o chão. Quando decidiram levantar a cabeça, fizeram-no ao mesmo tempo. Ficaram estáticos por segundos até que, não observando sinais reveladores da situação, se decidiram a cumprimentarem-se. Desastre total. Em vez de cada um se inclinar para lado opostos para darem os respectivos beijinhos, viraram as caras para o mesmo lado. Quando se aperceberam, precipitaram-se ambos para o lado contrário, fazendo outra vez a mesma coisa.
Bia e Nuno faziam tudo para não se desmancharem a rir. Finalmente lá se conseguiram cumprimentar, voltando depois cada um a olhar para o chão.
- Pois, bom, vamos para as aulas? – sugeriu Bia, cortando o silêncio.
Mentalmente, Joana e Luís agradeceram a Bia por ter dito aquilo, despachando aquele momento constrangedor.
Mas o dia ainda agora tinha começado e aquela fora só a primeira prova.

To be continued…