terça-feira, 29 de julho de 2008

60. (FINAL ALTERNATIVO)

Caminhavam lentamente recebendo na face todo o fresco ar que banhava aquela noite de Verão.
- Sabes – começou Luís – estes dias têm sido mesmo perfeitos. Sem zangas, nem discussões.
- Pois, quem me dera ter sido assim no principio.
- Ai, o princípio... – disse ele, pensativo.
- Ainda te lembras? Nem nos conhecíamos. Até ao dia em que foste contra mim, lembras-te? – perguntou Joana, entrando também no espírito de recordações.
- Claro, como poderia eu esquecer... Foi a melhor coisa que me aconteceu. – revelou.
- Não foi nada, não digas disparates! – indagou Joana, brincando.
Luís parou e ficou com uma cara muito séria, desmanchando-se a rir em seguida. Joana também fez o mesmo. Naquele momento de descontracção, ele aproximou-se dela.
- Olha, olha – disse ela, continuando na brincadeira – tu também já estás ébrio como o teu amigo?
Luís riu-se, virando inconscientemente a cara para o lado o que levou uma madeixa mais clara do seu cabelo a cair-lhe sobre os olhos. Mecanicamente levantou a mão e afastou-a num gesto singular. Joana assistia maravilhada. Ele fica mesmo bem quando se arranja, pensava.
- Ébrio? Mas queres palavras caras, é? – questionou Luís, rindo-se.
- Qual caras! Ébrio é alcoolizado. Até parece que não sabias. – respondeu ela.
- Pois não, sou um leigo!
- Então mas afinal quem é que está com palavras caras? – ironizou Joana.
- Isto ainda não é nada. Conceder-me-ia no dia posterior o deleite da sua companhia para uma breve deambulação por essas áleas desta metrópole? – questionou ele.
Joana continuou a fitá-lo como se ele tivesse falado noutra língua.
- Desculpa? – gaguejou, piscando os olhos.
- Perguntei se amanhã queres ir passear pelas ruas desta cidade. – esclareceu, rindo-se, mas questionando verdadeiramente.
Ela riu-se ligeiramente. Luís também disfarçou o nervoso miudinho com um riso supérfluo.
- Até parece que me estás a convidar para um encontro. – exclamou ela, desvalorizando a situção.
Perante o silêncio e baixar de olhar do amigo, ela percebeu que era exactamente para isso que ele a convidara. Joana estacou e fitou Luís com uma expressão indecifrável. Afinal, apesar da brincadeira, esta pergunta era a sério. Não soube muito bem porquê mas o seu pequeno coração começou a bater mais rápido.
- Mas só nós dois? – perguntou, receosa.
- Era essa a ideia. – respondeu Luís, também timidamente.
Na mente da rapariga apenas pairava uma lembrança: o que acontecera na cozinha. Apesar de já ter passado algum tempo, Joana ainda se lembrava claramente do quase beijo.
- Joana? – chamou.
- Ah, sim?
- Então, não dizes nada? – murmurou ele, com medo de interromper algum pensamento
Vá Joana, responde, dizia ela para si mesma. Do que é que estás à espera? É a tua oportunidade...
- Ah... Amanhã, não é? – perguntou ela.
- Sim... Se já tiveres coisas combinadas diz, não faz mal...
- Não, não... não tenho nada combinado. – informou, sem firmeza na voz.
- Então isso quer dizer que aceitas? – ultimou Luís.
- Sim, pode ser. Já chegámos. – anunciou ela, parando defronte da porta da sua moradia.
- E eu vou-me já embora antes que mudes de ideias! Amanhã, no café às nove da manhã?
- Ok.
Depois dos habituais dois beijinhos, Luís recomeçou o caminho para casa, bastante mais alegre. Joana ficou a vê-lo até o perder de vista. Porém, antes de ele cruzar a esquina, gritou:
- Amanhã não te esqueças de mim!
- Nunca! – assegurou Luís.

A manhã seguinte chegou rapidamente para Joana. Já estava a pé há algumas horas. Tinha percorrido mais vezes o quarto naquele dia do que em toda a sua existência. Em parte, o seu nervosismo prendia-se com o encontro que ia ter dali a umas horas; em parte com a chegada de Leonor à Alemanha. Olhou para o relógio e fez as contas de cabeça. Se ainda não aterrou, deve estar a aterrar, pensou. Não sabia qual ia ser a reacção de Bill mas também não sabia se queria mesmo saber. Varrendo rapidamente aquele pensamento da sua memória, abriu a gaveta para escolher a roupa. Pela primeira vez, não se deparou com o passaporte e as suas douradas a mirá-la. Sentiu um arrepio mas não soube até que ponto é que isso não seria satisfatório.

Em cima da cama estava quase todo o seu guarda-roupa. Luís vestia e despia camisas e t-shirts sem saber o que vestir. Não podia ligar a Nuno porque sabia que devia estar a dormir nas próximas 24 horas. Tinha que confiar no seu bom gosto e lembrar-se dos conselhos do amigo. Escolheu uma camisa branca e umas calças de ganga. Desapertou o primeiro botão da camisa e colocou a corrente ao pescoço. Deu duas borrifadelas de perfume e mirou-se ao espelho. Tinha feito o seu melhor, pensou para consigo mesmo.
Sentou-se na cama e ligou a televisão. Àquela hora só estava a dar desenhos animados. Ali ficou, à espera que o tempo passasse.

Leonor punha-se em cima de um banco para tentar descobrir alguém suficientemente alto e mal-encarado para corresponder à descrição do segurança que Georg lhe tinha dado. Rapidamente desceu do seu posto de observação quando um homem corpulento e vestido de negro se aproximou.
- Mädchen Leonor? (Menina Leonor?) – disse no seu melhor sotaque.
Ela anuiu e seguiu o sinal dele. Desceram para a garagem e, mal avistou ao longe uma carrinha preta de vidros escuros, Leonor desatou a correr, não querendo saber se alguém os via. A sua sorte era que ninguém parecia importado com uma rapariga maluca a correr por ali.
Georg tinha saltado da carrinha e abraçado a sua namorada com tanta força que as lágrimas lhe vieram aos olhos. Seguidamente, juras de amor e beijos foram trocados, num batalha de palavras sem fim. Demoraram alguns largos minutos até se recomporem e entrarem na carrinha. Sentaram-se um ao lado do outro, sempre de mãos dadas. Só se alargaram quando ela sentiu o telemóvel vibrar na mala.
- Sim? – disse.
“Leonor. Já chegaste?” – disse a voz de Bia do outro lado da linha.
- Agora mesmo. Já estou aqui com o Georg.
“Manda beijinhos para todos e diz que eu os quero para um concerto em Portugal rapidamente. Eles não pensem que raptam assim a minha amiga e se ficam a rir!”
Leonor riu-se e disse ao namorado o que a amiga havia imperado.
- Já disse. Eu devo ter cara de correio. Só sirvo para transportar mensagens. – brincou.
“Não sejas fina. Só pedi para lhes dizeres isso, mais nada.”
- Não é isso. É que a Joana também me pediu para dar uma coisa ao Bill. – informou.
Aquela frase despertou todos os sentidos de Bia. Depois de um silêncio avassalador, disse:
“O quê? Que envelope? O que é que tem o envelope?”
- Não sei, está fechado. Eu achei que não era nada de mal, afinal o que é que cabe dentro de um envelope?
Mas rapidamente se apercebeu que tinha sido parva em não perguntar a Joana o que é que ia lá dentro ou até mesmo de o abrir. Disse a Bia que agora já não o podia fazer pois já estava acompanhada. Bia não teve outro remédio que desligar e aventurar-se na descoberta.
Vestiu-se rapidamente e partiu para casa de Joana. No caminho ligou a Luís que lhe disse que tinha combinado Às nova que Joana mas quem ela ainda não tinha chegado. Os ponteiros do relógio que marcavam nove e vinte só serviram para deixar ambos mais nervosos. Talvez estivesse em casa, atrasada, pensou Bia.
- Olá! A Joana está? – perguntou à mãe dela, depois de esta lhe abrir a porta.
- Olá, querida. Não, ela saiu há uma meia hora. Disse que ia ter com um amigo. Está tudo bem? – disse, algo preocupada.
- Sim, sim... Eu é que não sabia que ela hoje ia sair. – mentiu.
Despediu-se amavelmente da mãe de Joana e afastou-se, fingindo estar despreocupada. Quando saiu do campo de visão da senhora, tirou o telemóvel do bolso e marcou insistentemente o número. Ao fim de algumas chamadas falhadas não se deu por vencida. Remarcou e voltou a ouvir aquele sinal de chamada vezes sem conta. Por fim...
“Estou?”
- Jô! – quase gritou.
“O que se passa?” – respondeu a amiga.
- Isso pergunto eu! A tua mãe disse que já saíste de casa há algum tempo e o Luís diz que ainda não chegaste. Onde é que andas? – perguntou explosivamente.
“Acalma-te. Eu só vim dar uma volta a um sítio e atrasei-me sem querer. Já estou a ir ter com o Luís. Eu já sou maior de idade, sei tomar conta de mim.”
Bia sentiu-se um bocado envergonhada por fazer uma marcação tão cerrada.
- Desculpa. Mas é que... Pronto eu conto. A Leonor disse que tu enviaste uma coisa ao Bill... Oh Joana se tu estiveres outra vez mal, podes contar-me. Eu sou tua amiga... – desabafou, libertando finalmente a angústia que sentia presa dentro do peito.
“Queres saber o que é que estava dentro do envelope? O passaporte dele. Devolvi-lhe o passaporte para poder continuar com a minha vida. Para poder acordar todos os dias e não ter de ver aquilo. Juntamente escrevi uma carta a dizer que percebi que já tinha acabado tudo e que nunca poderíamos ter mais que aquilo que tivemos. Já acabou, Bia. Foi isso que eu lhe disse.”
A amiga teve vontade de chorar. Como pôde ser tão estúpida e desconfiar de Joana que ultimamente não lhe tinha dado motivos para duvidar?
- Oh, Jô... Desculpa, fui tão parva... – pediu ela.
“Tem calma, eu percebo. Vá agora estou a chegar junto do Luís. Podes ligar-lhe para teres a certeza.” – ironizou, rindo-se no final.
- Não. Eu confio em ti. Ah... Bom encontro. – desejou Bia.

Bill acabava de ler a carta e voltava a colocá-la dentro do envelope. Leonor observava cada movimento na ânsia de ter algum sinal que lhe permitisse saber o que se passava.
- What did she say? (O que é que ela disse?) – perguntou sem se conter mais.
- You can read... (Podes ler...) – autorizou Bill, puxando dum cigarro e fitando o fumo que expelia pela boca como se fosse a coisa mais importante do mundo.
Leonor pegou imediatamente no envelope e abriu. Já tinha reparado no passaporte mas o seu interesse prendia-se mais com a carta da amiga. Leu para si.
“Dear Bill: I know you must be really confused about me having your passport. The truth is that it hasn’t been with me all this time. It doesn’t matter who had it, I wasn’t the one who took it from you. I didn’t say anything before because I thought I had nothing to say. The reason why I gave you back the passport is simple: I’m finally understanding that what we had is over. I need to move on with my life and that’s what I will do. I belong here, with my friends. I always had. I won’t try to forget you: I know I can’t. You’ll be forever in my thoughts, in my body. I can’t and I don’t want to erase what we had. I see it like a good moment that’s over. I’m not angry with you. As a matter of fact, I should be thankful for the time we spent together. I wish all the best for you and for the band. Now I understand that we couldn’t have been more than friends; after all, your world is different from mine.” (Querido Bill, eu sei que deves estar mesmo confuso sobre eu ter o teu passaporte. A verdade é que nem sempre o tive comigo o tempo todo. Não importa quem o tinha, não fui que quem to tirou. Não disse nada antes porque achei que não havia nada para dizer. A razão pela qual eu te devolvo o passaporte é simples: eu finalmente percebi que o que tivemos acabou. Preciso de continuar com a mina vida e é isso que vou fazer. Eu pertenço aqui, com os meus amigos. Sempre pertenci. Não vou tentar esquecer-te: sei que não consigo. Vais estar sempre nos meus pensamentos, no meu corpo. Não consigo nem quero apagar o que tivemos. Vejo isso como um momento bom que acabou. Não estou zangada contigo. Aliás, eu devia estar grata pelo tempo que passámos juntos. Desejo o melhor para ti e para a banda. Agora eu percebo que nunca poderíamos ter sido mais que amigos: o teu mundo é diferente do meu.”
Bill tinha estado a observar Leonor pelo canto do olho. Pela sua expressão, percebeu quando ela tinha chegado ao fim. Apesar de já ter lido, quando ela acabou a carta, foi como se a sensação de vazio se apoderasse novamente dele e o obrigasse a derramar aquela lágrima que lhe borrou a cara.
Leonor voltou a guardar a missiva e encarou Bill. Pelo meio do fumo proveniente do cigarro, ela descobriu a única lágrima de Bill, que reflectia descaradamente a luz da sala e que lhe denunciava os sentimentos mais profundos.
- You like her, don’t you? (Gostas dela, não gostas?) – inquiriu Leonor.
- Does it matter? (Isso importa?) – retornou ele, com um olhar triste e vago.
- Bill...
- Do you know why I didn’t ask her to come with me the first time we were in Portugal? (Sabes porque é que eu não lhe pedi para vir comigo da primeira vez que tivemos em Portugal?) – atirou ele, pensativo.
- No... (Não...) – respondeu Leonor, tentando-se lembrar do momento referido.
- Because I didn’t know if she would have come. I remember that she was in my room the day we left. If she had said something... If she had done something... A simple word, a sinal... Anything. (Porque eu não sabia se ela teria vindo. Eu lembro-me que ela esteve no meu quarto no dia em que viemos embora. Se ela tivesse dito alguma coisa... Se ela tivesse feito alguma coisa... Uma simples palavra, um sinal... Qualquer coisa.) – declarou, apagando o cigarro melancolicamente.
- Bill.. I’m so sorry... (Bill... Lamento imenso...) – contemplou Leonor, sem saber o que dizer.
Afinal ele gostava dela e agora mais ninguém ia saber disso. Não conseguiu não deixar de sentir pena por aquele corpo perdido que se encontrava deitado no sofá numa posição desconfortável e abandonada.

- Luís! Luís, aqui! – chamou ela, guardando o telemóvel no bolso.
Ele aproximou-se rapidamente. Estava nervoso e tinha ficado ainda pior depois do telefonema de Bia. Mas agora que ela estava ali, nada mais importava.
- Olá.
- Desculpa o atraso. – pediu ela.
- Não faz mal. Toma. Já está um bocado derretido, desculpa. – disse ele, estendendo um gelado de morango.
- Oh... Obrigada.
Joana aceitou o gelado. Luís já tinha comido o dele para evitar que derretesse mais. Começaram a andar pela rua fora, sem destino. Joana devorava avidamente a sobremesa.
- Então... Está tudo bem? – perguntou Luís, tentado parecer natural.
- Já sabes do envelope, não é? – questionou directamente.
- Ele não teve outro remédio que anuir e confirmar a suspeita quase certa dela. Joana apressou-se a contar-lhe o que dizia a missiva, tal como fez com Bia.
- Então está mesmo tudo bem? – inquiriu.
- Sim. – assegurou Joana.
O gelado tinha acabado e ela limpava lentamente a boca. Enquanto se afastou para deitar no lixo o papel, Luís ganhou coragem para dizer o que lhe ia na alma.
- Ah... Joana. Independentemente do que aconteceu, eu sempre gostei muito de ti. Não gostei do que aquele, ah... rapaz, te fez. Com o tempo, eu fui percebendo que gostava cada vez mais de ti e que ficava triste por enveredares por caminhos prejudiciais. O que eu quero dizer, é que eu gosto mesmo de ti. Como algo mais que amiga.
Luís tinha baixado a cabeça e acabado a frase quase em surdina. Joana estava sensibilizada e confortada com aquelas palavras. Sabia que eram puramente verdadeiras e ditas por alguém que sempre estivera com ela. Foi por isso que levantou levemente a cabeça de Luís, ficando a olhar directamente nos seus olhos. Aproximou-se o suficiente, como se tinham aproximado há tempos atrás, na cozinha. Porém, Luís parou; não queria obrigá-la a nada.
- Jô, eu não... – ia ele a começar, sendo interrompido pela acção dela.
Joana tinha colado os seus lábios ao de Luís e saboreava aquele momento, absorvendo cada segundo como se fosse a sua essência de vida. Luís sentiu nos lábios aquele sabor de morango que nunca mais queria abandonar. Colocou lentamente a mão nas costas dela e puxou-a para si.
Na cabeça de Joana, apenas um pensamento pairava:
“Tu sabes o que estás a fazer.”

The end.

domingo, 27 de julho de 2008

60. A CARTA

Caminhavam lentamente recebendo na face todo o fresco ar que banhava aquela noite de Verão.
- Sabes – começou Luís – estes dias têm sido mesmo perfeitos. Sem zangas, nem discussões.
- Pois, quem me dera ter sido assim no principio.
- Ai, o princípio... – disse ele, pensativo.
- Ainda te lembras? Nem nos conhecíamos. Até ao dia em que foste contra mim, lembras-te? – perguntou Joana, entrando também no espírito de recordações.
- Claro, como poderia eu esquecer... Foi a melhor coisa que me aconteceu. – revelou.
- Não foi nada, não digas disparates! – indagou Joana, brincando.
Luís parou e ficou com uma cara muito séria, desmanchando-se a rir em seguida. Joana também fez o mesmo. Naquele momento de descontracção, ele aproximou-se dela.
- Olha, olha – disse ela, continuando na brincadeira – tu também já estás ébrio como o teu amigo?
Luís riu-se, virando inconscientemente a cara para o lado o que levou uma madeixa mais clara do seu cabelo a cair-lhe sobre os olhos. Mecanicamente levantou a mão e afastou-a num gesto singular. Joana assistia maravilhada. Ele fica mesmo bem quando se arranja, pensava.
- Ébrio? Mas queres palavras caras, é? – questionou Luís, rindo-se.
- Qual caras! Ébrio é alcoolizado. Até parece que não sabias. – respondeu ela.
- Pois não, sou um leigo!
- Então mas afinal quem é que está com palavras caras? – ironizou Joana.
- Isto ainda não é nada. Conceder-me-ia no dia posterior o deleite da sua companhia para uma breve deambulação por essas áleas desta metrópole? – questionou ele.
Joana continuou a fitá-lo como se ele tivesse falado noutra língua.
- Desculpa? – gaguejou, piscando os olhos.
- Perguntei se amanhã queres ir passear pelas ruas desta cidade. – esclareceu, rindo-se, mas questionando verdadeiramente.
Joana ficou séria rapidamente. Como se fosse proibido aquele convite. Nuno fitou-a. A brincadeira só serviu para o descontrair para fazer o convite.
- Ah olha, amanhã não posso. Mas eu quero que saibas que eu vou gostar sempre muito de ti e que nunca te esquecerei. Vou lembrar-me para sempre daquilo que fizeste por mim.
- Joana Maria! Isso parece uma despedida. Afinal quem é que já está ébrio? – alvitrou ele, disfarçando a desilusão.
- Pois... Olha, chegámos a minha casa. – disse ela, avistando a sua porta. – Ficas bem?
- Claro! Vá, dá cá um beijinho a este pobre bêbedo. – pediu Luís.
Mas Joana fez mais que isso. Abraçou-se a ele com força durante largos momentos. Porém, quando se ia a afastar, sussurrou ao seu ouvido.
- Não te esqueças do que eu disse: é importante lembrares-te sempre disso.

O dia seguinte amanheceu envolto numa névoa alheia àqueles ares de Verão. Uma manta sinistra cobria o céu como se estivesse a esconder um segredo. Joana há muito que estava acordada. Fora a única que na anterior noite não havia bebido o suficiente para naquele dia dormir até tarde. Àquela hora, nove da manhã, Joana estava diante da casa de Bia, determinada a fazer o que queria.
- Bom dia, a Beatriz está? – perguntou ela, quando a mãe da amiga lhe abriu a porta.
- Joana, querida! Há tanto tempo que não te via. Está tudo bem? A mãe e o pai, estão bons? Sim, entra. A Beatriz está no quarto. Não sei o que vocês andaram lá a fazer ontem que hoje ainda não se levantou. Vai lá vê-la. Já conheces o caminho.
Joana agradeceu e entrou. Percorreu em máximo silêncio o corredor que conduzia ao quarto da amiga. Devagar, abriu a porta.
- Bia? – murmurou.
- Hum. – gemeram debaixo dos lençóis.
- Sou eu, a Joana.
Aproximou devagar para não tropeçar em nada. Com as janelas fechadas, um negro profundo invadia todo o quarto. Cerrou os olhos para poder ver melhor.
- Que é que tu queres? – disse, quase imperceptivelmente, Bia.
Joana destapou-se gentilmente, sentando-se na borda da cama.
- Olha, tenho de te dizer uma coisa. Sabes que és a minha melhor amiga desde sempre e que tudo o que fizeste por mim foi para o meu bem. Eu na altura podia não saber mas sei agora. Considero-te uma irmã e vou adorar-te para sempre. Estiveste sempre lá a ajudar quando precisei sempre me compreendeste. Prometes que nunca te esqueces?
- Tu vieste até aqui para isso? Mas tu estás mais bêbeda que o Nuno ontem, só pode. – resmungou, tapando a cabeça com a almofada
- Promete! – imperou Joana.
- Ai, pronto está bem. Prometo. Agora deixa-me dormir. – ameaçou ela com a almofada, correndo com a amiga.
Joana tirou do bolso uma pulseira sua que Bia sempre gostara. Deixou-a em cima da mesa-de-cabeceira para que ela visse quando acordasse. Em seguida,levantou-se e dirigiu-se à porta. Porém, antes de sair, olhou no escuro na direcção do vulto de Bia. Tinha a certeza de que ela nunca se ia esquecer, tinha prometido. Um dia ir-se-ia lembrar.

A muitos, muitos quilómetros dali, no aeroporto de Hamburgo na Alemanha, o voo vindo de Portugal acabara de chegar. Homenzinhos a correr tiravam rapidamente as malas para a passadeira rolante, onde os passageiros as iriam levantar. Leonor procurava agora, no meio de centenas de malas, a sua bagagem. Avistou-a ao longe. Duas malas vermelhas avançavam lentamente na sua direcção. Com um impulso rápido, puxou-as de uma vez. Levantou a alavanca e começou a puxá-las, rolando estas sobre as suas pequeninas rodas.
Mas onde é que ele se meteu, perguntava-se Leonor, levantado a cabeça acima da multidão para procurar alguém com aspecto de segurança enviado por Georg. Ao ver que as suas investidas não revelavam ninguém, não teve outro remédio que puxar do telemóvel.
- Where are you? (Onde é que estás?) – perguntou ela, depois de marcar o número do namorado.
“I’m sorry baby. I’d to run away from the photographers. I’m almost there. (Desculpa bebé. Tive que fugir dos fotógrafos. Estou quase ai.)” – assegurou Georg do outro lado do telefone.
- Ok.
Restando-lhe apenas esperar, Leonor deitou as malas no chão, um por cima da outra, e sentou-se em cima delas. Sem nada para fazer e com o telemóvel na mão, resolveu ligar para Bia.
- Bia! Já cheguei! – disse entusiasmada, um pouco alto, o que lhe valeu uns olhares furtivos de uns turistas que por ali passavam e que não reconheceram a língua.
“Bom dia! Tiveste sorte. Acordei agora mesmo.” – disse uma voz, ainda de sono.
- Mas aí é uma da tarde! – exclamou Leonor.
“Pois, a noite de ontem deu cabo de mim. E digamos que carregar o teu irmão não ajudou muito!”
- Pois foi. Ainda nem lhe liguei. Deve estar com um ressaca daquelas...
“Eu daqui a bocado vou ter com ele. Oh...”
- O que foi? – perguntou logo, depois de ouvir o espanto de Bia.
Bia tinha-se levantado e visto a pulseira na sua mesa-de-cabeceira. Quando acordou teve uma breve memória de Joana ter estado ali mas rapidamente se esqueceu disso quando viu as horas. Agora, com aquela pulseira ali, voltou a pensar nisso.
“A Joana. Acho que esteve aqui.”
- Achas? Então não tens a certeza? – perguntou Leonor, confusa.
“Não, foi de manhã. Sim, foi isso. Ela esteve cá. Pensei que tivesse sonhado, mas agora encontrei aqui aquela pulseira dela que sempre gostei, sabes qual é?”
- Sim. Mas o que é que tem?
“Agora que penso nisso, ela estava esquisita. Fez-me prometer que nunca me ia esquecer dela e que ela sabia que eu tinha estado sempre com ela. Qualquer cena de ser a sua melhor amiga.”
- Pois. Olha, liga-me tu daí que eu estou a ficar sem dinheiro. Só quando o Georg me vier buscar é que vou carregar o telemóvel e mudar para um tarifário internacional. – pediu ela.
“Ok, vou só ligar ao teu irmão e ao Luís para saber se está tudo bem. Até já.”
- Boa sorte com o meu irmão. – desejou Leonor, desligando.

- Sim? – respondeu ele sonolento para o auscultador.
“Bom dia, Luís!” – exclamou ela.
- Ei, oh Bia. Fala baixo. Que horas são? – perguntou Luís, abrindo os olhos para ver o despertador. – Ei! É tarde.
“Pois. Só liguei para saber se estava tudo bem. Já tenho a minha resposta. Tu também estás bonito. Estou a ver que os homens é que se divertiram.” – disse ela.
- Que piada. E não foram só os homens. A Joana também estava bonita. Quando a levei a casa já estava tão alegre que já dizia que nunca se ia esquecer de mim e que era muito importante para ela. Devias ter visto. – informou Luís, rindo-se.
Do outro lado de telefone, a expressão de Bia mudou repentinamente.
“Espera aí. Ela disse que nunca te ia esquecer e que eras importante? Ela também disse para nunca te esqueceres disso?” – perguntou ela, com uma voz séria.
- Sim... Porquê? Bia, conta-me o que se passa. – pediu alarmado, já sem vestígio de sono.
“Não sei Luís, mas acho que ela se está a despedir de nós. Tenho que falar com a Leonor. Tenho quase a certeza de que vai acontecer alguma coisa.”
Bia desligou rapidamente e apressou-se a marcar o número de Leonor.
“Estou?”
- Sim, Leonor? Olha está para acontecer alguma coisa. A Joana ontem disse coisas estranhas ao Luís e hoje fez a mesma coisa comigo.
“Mas coisas estranhas como?”
- ‘Pá, como se se estivesse a despedir de nós. Acho que ela vai fazer algo ou então já fez. – confessou Bia.
“Espera!”
Uma ideia assombrou rapidamente a cabeça de Leonor. O envelope para Bill. Tinha que estar relacionado, tinha de estar. Rapidamente pulou de cima das malas e abriu uma, procurando o envelope. Sabia que o tinha posto ali. Escova do cabelo, dos dentes, maquilhagem, perfumes, onde é que estava? Finalmente encontrou-o.
“Bia? Olha eu ontem nem pensei nisso mas a Joana pediu-me para entregar um envelope ao Bill. Tenho-o aqui. Está fechado. Abro?”
­ - Claro! Isto não é momento para isso. Abre e diz o que está lá dentro. Eu sabia que esse tipo tinha que estar relacionado com isto.
Leonor abriu. Imediatamente deu de caras com um pequeno livrinho com letras douradas. Ao folhear, encontrou uma página solta.
“Bia... É o passaporte dele. Do Bill! E está aqui uma folha escrita. É a letra da Joana.”
- E o que é que diz? – perguntou com um misto de curiosidade e ansiedade.
“Diz: Dear Bill, I know you must be really confused about me having your passport. The truth is that it hasn’t been with me all this time. It doesn’t matter who had it, I wasn’t the one who took it from you. I didn’t say anything before because I thought I had nothing to say. The reason why I gave you back the passport is simple: I’m finally understanding that what we had is over. I need to move on with my life and that’s what I will do. Don’t bother trying to find me: I won'’t be in the same place. For a while, no one will know where I am. When I think it’s time to come back, I’ll let you know. For now, I have to go, alone, to be with myself, to find new things. I know you didn’'t take me with you because it was the best for me, but I would have gone. I think, after all this time, I understand why you didn’'t do it: because your world is different from mine. (Querido Bill, eu sei que deves estar mesmo confuso sobre eu ter o teu passaporte. A verdade é que nem sempre o tive comigo o tempo todo. Não importa quem o tinha, não fui que quem to tirou. Não disse nada antes porque achei que não havia nada para dizer. A razão pela qual eu te devolvo o passaporte é simples: eu finalmente percebi que o que tivemos acabou. Preciso de continuar com a mina vida e é isso que vou fazer. Não tentes encontrar-me: eu não vou estar no mesmo sítio. Durante uns tempos ninguém vai saber onde eu estou. Quando achar que está na altura de voltar, avisar-te-ei. Por agora, tenho de ir, sozinha, para estar comigo, descobrir coisas novas Eu sei que não me levaste contigo porque era o melhor para mim, mas eu teria ido. Penso que, depois de este tempo todo, percebo porque não o fizeste: porque o teu mundo é diferente do meu.)” – acabou ela de ler.
- Leonor, ela vai fugir, ela vai fugir! Tenho de ir – gritou, desligando em seguida.
Tudo o que se passou a seguir foi muito confuso. Bia vestiu-se rapidamente e saiu de casa. No caminho ligou a Luís, que imediatamente foi ter com ela a casa de Joana, e fez inúmeras tentativas de chamada para ela. Joana nunca atendeu. Alguns minutos mais tarde e quase sem fôlego, tinha chegado a casa da amiga.
- A Joana? – perguntou sem saudar.
- Beatriz? O que se passa? – perguntou a mãe dela, assustada.
- Onde é que está a Joana? – repetiu.
A mãe encolheu os ombros e afastou-se da porta. Como uma flecha, Bia entrou e foi ao quarto dela. As gavetas estavam abertas e sem roupa, os sapatos desarrumados, em cima da cama estava a caixa onde ela guardava o dinheiro, vazia. Apenas um papel figurava, dobrado, em cima da mesa-de-cabeceira. Bia desdobrou.
“Quando vocês estiverem a ler isto, já eu vou estar bem longe. Percebo que agora fiquem chateados, mas com o tempo vão entender que era isto que eu tinha de fazer. Não avisei ninguém porque sabia que me iam impedir; mas acreditem que aí já não era o meu lugar. Parto para um destino que no momento de embarcar logo decido; vou trabalhar, conhecer novas pessoas, culturas, o mundo. Não me tentem encontrar; escrever-vos-ei em breve. Para sempre vossa, Joana.”

Bill tinha acabado de ler a carta e uma pequena lágrima fugiu, borrando-lhe a bochecha com rímel.
- I’m so sorry. (Eu lamento imenso). – confortou Leonor, também perdida em lágrimas nos braços de Georg.

Luís e Bia dobraram novamente a carta e estenderam-na à mãe de Joana. Ela sentou-se na cama, amparando-se para não cair.
- Tenham calma, ela teve muito tempo para pensar isso. – disse Luís, sem força na voz.
- E se ela não sabe o que está a fazer?

Num lugar longe, mesmo muito longe, Joana descia do autocarro e cerrava os olhos por causa do Sol. Encheu os pulmões de ar com força e energia. Baixinho, disse para si mesma.
- Tu sabes o que estás a fazer.

The end.


NOTA DA AUTORA:
Caros leitores e leitoras,
Acredito piamente que muitos de vocês não esperavam esta reviravolta tão grande na história. Acredito ainda mais que muitos não esperavam que acabasse já. A verdade é que eu já sabia há algum tempo que ia ser assim. Já tinha pensado e até tido algumas ideias.
A minha ideia foi sempre que a Joana acabasse sozinha, só consigo. Sei que haverão pessoas a defender o contrário. Para essas pessoas, é com alegria que informo que irão ser escritos mais dois finais alternativos. Assim, espero estar à altura dos vossos pedidos e não decepcionar ninguém. Dentro de dias, irei então escrever, mas gostava que vissem este final como aquele que eu sempre quis, como sendo o oficial.
Entendam que não fazia sentido a banda regressar a Portugal; era esticar a história, torná-la monótona e sem interesse.
Por agora fica este final de uma autora que agradece imenso os vossos comentários e agradecia ainda mais que tecessem alguma espécie de opinião sobre a história e/ou o final. Opinem!
Por uns tempos vou parar de escrever. Espero que percebam que foram duas FanFiction seguidas e o cansaço é muito. Mas que já tenho algumas ideias aqui a passear para uma nova história, lá isso tenho.
Um muito obrigada a todos e todas, com muitos beijinhos
Elisabete.

sexta-feira, 25 de julho de 2008

59. A BEBEDEIRA

- Mãe, eu já venho. Vou só tomar um café com o Luís. – gritou.
- Joana! – retornou uma voz vinda da cozinha.
- O que foi? – perguntou ela, detendo-se com a mão na porta.
- Onde é que vais? – perguntou-lhe a mãe.
- Só vou ao café. Tem calma, já sou crescida.
Rendida àquela frase, a mãe de Joana não teve outro remédio que deixá-la ir. No entanto esperou até ver a filha a cruzar a esquina; depois deu-lhe um aperto no coração.
Joana ia ter com Luís que já estava à espera dela no café. Estava nervosa mas sabia o que ia dizer. Tinha pensado nisso durante a tarde que passou na banheira, desembrenhando-se do cheiro a laranja espremida pela sua cabeça. Ela não esperava era vê-lo tão diferente.
- Uau. Estás... diferente. – exprimiu-se Joana quando o viu.
Luís virou embaraçado; as narinas começaram a dilatar.
- Mas fica-te bem. – apressou ela a acrescentar.
Sentou-se e pediu um café. Esperaram dois minutos e beberam-nos. Pronto, agora era só falar, pensava Joana.
- Bem, ah, Luís... Vou directa ao assunto. – começou ela.
- Está bem.
- Eu sei que nos conhecemos quando eu estava a entrar para uma fase conturbada da minha vida. Não foi por isso que tu não ficaste meu amigo, antes pelo contrário: ficaste. Foste uma das únicas pessoas que estava lá quando eu precisei. Eu agora sei que se não fosses tu naquele dia, hoje eu podia não estar aqui a falar contigo...
- Isso não interessa agora. – desvalorizou ele que sabia que falar daquele assunto era complicado para Joana.
- Deixa, não faz mal. Em parte, devo-te a minha vida. É por isso que eu não tinha direito nenhum de te falar naquele dia da forma que te falei. Tu ajudaste-me, estiveste lá ao meu lado, eu não devia ter-te tratado assim. E o que mais me chateia é que eu estava tão cega por... bem, tu sabes, que nem via os meus amigos. É por isso que eu te quero pedir desculpa. Por tudo. E também agradecer, é que depois de todos estes acontecimentos menos bons, tu estás ao meu lado.
- Não é preciso tanto. – respondeu Luís timidamente.
- Claro que é. Muita gente não tinha feito o que tu fizeste. Considero-te mesmo meu amigo.
- Isso é porque sou. Gosto mesmo muito de ti. – finalizou ele.
Só que ele gostava mesmo dela. Ela não sabia e ele não achou oportuno levantar aquele assunto. Já era maravilhoso, perfeito até, estarem novamente amigos e terem resolvido tudo.
No final daquela conversa, Luís acompanhou Joana a casa e despediram-se com dois beijinhos, desta vez não se confundindo nos lados. E ele seguiu para casa, feliz da vida.

Dias haviam passado desde a noite em que Joana e Nuno tinham resolvido as coisas. Desde então, nunca mais houvera discussões ou outro tipo de conflitos entre os amigos. Passavam os intervalos todos juntos e a divertirem-se. Bia já achava que nada ia ser igual; Luís estava cada vez mais confiante para falar a Joana sobre o facto de gostar dela.
Mas havia algo que não estava bem. Joana estava esquisita. Durante aqueles dias em que andava a reconciliar-se com Luís, esquecera-se de Bill. Mas depois, a seguir de voltar tudo ao normal, Joana voltou a pensar nele. Tinha sido uma anestesia de curta duração. Bill nunca mais havia dito nada e ela também não. Por precaução, ninguém sabia destes pensamentos que vagueavam na mente dela. Mas eles estavam lá, a todos os momentos livres que ela tinha, todos os segundos que a permitiam fugir em pensamento, era para junto dele que fugiam. Voltava a lembrar-se da estrela tatuada, dos momentos passados na piscina, no quarto, dos carinhos e frases trocadas um com o outro, de tudo.
E neste momento, naquele dia, Joana estava outra vez submersa nesses sonhos.
- Estás aí, Jô? – perguntava Bia, que a chamava há alguns minutos.
- Ah, sim. O que é? – disse ela, emergindo para o mundo real.
- A Leonor. Ligou agora, diz que se vai embora amanhã de manhã. Quer que nos encontremos todos no café hoje à noite. Vens? – quis a amiga saber.
- Claro.

Faltavam apenas algumas horas para a hora marcada por Leonor para se encontrarem. Nuno, o irmão, Bia e Luís iam estar todos lá para dizerem adeus, desta vez sabendo lá até quando, à amiga. Leonor já tinha tratado tudo e ia-se agora embora, para junto do namorado e da banda, embarcando numa viagem alucinante, pela qual milhares de fãs matavam.
Era nisso que Joana, deitada na banheira cheia de espuma, pensava. Na sorte que a amiga tinha: aventurar-se por esse mundo, descobrindo novas culturas, novas pessoas, sem olhar para trás. Joana sentia-se fascinada com isso. Secretamente, admirava Leonor por deixar tudo e partir atrás do namorado.
A água começou a gelar-lhe a pele, agora enrugada como pele de galinha. Levantou-se rapidamente, ligando o chuveiro que fez desaparecer cada pedaço de espuma que ainda teimava em colar-se à sua pele. Com cuidado, desligou a água e saiu do banho. Enrolada na toalha, foi para o quarto e abriu a cómoda da roupa para tirar umas calças e uma camisola.
Foi quando o viu. Guardado fazia meses, o antigo passaporte de Bill Kaulitz estava agora a descoberto, exibindo as suas letras douradas que brilhavam com o reflexo do candeeiro. Estagnada e presa ao chão, Joana fitava-o quando teve uma ideia. Pegou rapidamente aquele pequeno documento de letras douradas e sentou-se na secretária, apenas com o lençol a cobrir-lhe o corpo. Pegou numa caneta e numa folha pequena e começou a escrever na sua letra mais bonita e perfeita. Escrevia em inglês. Quando acabou, dobrou delicadamente o papel e colocou-o dentro do pequeno livro de douradas inscrições. Abriu uma gaveta, tirou um envelope e colocou lá dentro o passaporte. Passou ligeiramente a língua na cola e fechou o envelope, selando-o.
Vestiu-se, secou e penteou o cabelo, pegou na mala, tendo o cuidado de levar consigo o envelope.
- Mãe, vou à despedida da Leonor. Devo voltar tarde. – avisou.
- Ok, manda-lhe um beijinho meu e tem juízo.
Fechando a porta atrás de si, Joana saiu e caminhou até ao café ao lado da escola. Como Àquela hora já não haviam autocarros, teve que ir a andar, recebendo na cara cada lufada de ar fresco.
- Jô! Jô! Aqui! – gritou Bia, que a tinha avistado ao longe.
Joana tinha chegado ao café e constatou que a única pessoa que faltava era Leonor.
- A Leonor? – perguntou ela.
- Quando eu saí de casa ela ainda se estava a vestir. – respondeu Nuno.
Alguns minutos depois, com brincadeiras pelo meio para não se deixarem vencer pelo frio, uns faróis iluminaram a rua, dando sinal que o carro de Leonor se aproximava.
- Desculpem, desculpem. Aqui o meu querido irmão tomou banho primeiro e eu atrasei-me. Deixa lá que a partir de amanhã já tens a casa de banho toda para ti. – desculpou-se ela, saindo do carro.
Entraram todos, escolheram uma mesa e sentaram-se, puxando cadeiras para ficarem todos juntos.
- Bem, como vocês sabem, estamos aqui hoje... – começou ela.
- Leonor Eduarda! Tu livra-te de começares o discurso sem antes pagares umas bebidas. – avisou o irmão, interrompendo-a.
- Entendido, Nuno Miguel! Olhe, se faz favor, são cinco safaris cola. – pediu ela ao empregado.
Depois de beberem, retomaram os velhos discursos das saudades e de ligarem todos os dias uns para os outros. Ao fim de alguns copos, Nuno, já tocado pela bebida, respondia o mesmo cada vez que a irmã abria a boca.
- Banalidades, banalidades.
Aquilo fez Joana lembrar-se de um vídeo de Bill a tentar falar com um Tom bêbedo ao lado. Estava outra vez a derramar-se sobre o vocalista, quando o telemóvel de Leonor tocou e ela pediu silêncio.
- Esperem, calem-se. É o Georg.
- Diz-lhe que eu mando beijinhos. – disse Nuno, alto de mais.
- Parvo. Eu aviso já que não te carrego para o quarto. Vou lá fora atender. – informou Leonor.
Bia e Luís tentavam convencer Nuno a parar de beber, deixando Joana à vontade para se debruçar no pensamento interrompido. Estava novamente a pensar em Bill; será que ele também pensava nela?
- Joana! – chamou Luís.
- Sim?
- Não concordas? – perguntou ele.
- Com o quê? – respondeu ela, confusa.
- Que ele já bebeu demais. Acabei de te perguntar isso, não ouviste?
- Sim, sim. Acho. Eu vou lá fora falar com a Leonor, está bem? Já volto. – disse Joana, levantando-se e saindo.
Lá fora, teve que cruzar os braços para não ter frio naquela noite traiçoeira de Verão.
- Love you too. (Também te amo.) – despedia-se Leonor, ao telefone.
Estava de costas e só quando se voltou é que percebeu que tinha companhia.
- Joana! Não te ouvi chegar. Vamos? – disse ela, fazendo menção de entrar.
- Espera!
Leonor deteve-se, voltando para trás.
- Sim?
- Posso pedir-te um grande favor? – pediu Joana.
- O que é? – disse com medo Leonor.
- Não é nada de mal. Como amanhã te vais juntar a eles, eu pensei se podias entregar isto ao Bill. É algo pessoal que eu tenho que devolver.
Joana meteu a mão à mala e retirou o envelope Ainda com receio, Leonor esticou o braço e aceitou-o. Afinal que mal é que podia estar dentro de um mero envelope?
- Claro, eu entrego. Está tudo bem? – questionou ela.
- Sim.
Iam para entrar novamente no café quando Luís e Bia saíram, amparando Nuno, que já não se aguentava em pé nem dizia coisa com coisa.
- Este aqui precisa de ir já para a cama. – avisou Luís.
Leonor resmungou e destrancou o carro. Com a ajuda de todos, deitaram Nuno no banco de trás, adormecendo logo.
- Bem, parece que a noite fica por aqui. Já é tarde e eu ainda tenho que o carregar para a cama. – disse Leonor.
- Eu ajudo-te, deixa lá. – ofereceu-se Bia.
- Vocês desculpem mas não vos posso oferecer boleia porque aquele traste está a dormir no banco todo.
- Deixa lá. Vamos a pé. Posso acompanhar-te a casa, se quiseres. – ofereceu-se Luís também, virando-se para Joana.
- Obrigada.
Depois de muitos beijinhos, abraços e algumas lágrimas, Leonor e Bia entraram no carro. Luís e Joana ficaram a vê-las cruzar a esquina.
- Vamos? – disse Luís no momento em que os faróis deixaram de se ver.
- Sim.

To be continued...

quarta-feira, 23 de julho de 2008

58. O PERFUME

Joana tinha acabado de limpar a camisa e pousou o pano em cima do balcão.
- Obrigada. – agradeceu ela ao empregado.
Luís segurava nos livros dela, fitando ininterruptamente os sapatos; se continuasse assim, ia ter que comprar uns novos já que aqueles estavam a ficar gastos. Timidamente, levantou a cabeça e viu que a mancha laranja estava agora mais clara.
- Não te preocupes. Isto sai na máquina. – assegurou ela quando o viu a olhar.
Só que Luís não estava tímido por ter entornado o sumo, quer dizer, também tinha a ver com isso, mas ele estava assim porque não reparou onde estava a limpar. Que desastre de dia, pensava ele.
- Vamos? – perguntou Joana.
Ele nem pensou duas vezes, saindo imediatamente dali.
- Ah, Joana. Desculpa, foi sem querer. Não entornei o sumo de propósito nem foi minha intenção... Ah, tu percebes. Desculpa pelas duas coisas. – pediu Luís.
Joana também tinha corado agora. Era a sua vez de fitar os sapatos. Mas não podia deixar de dizer o que queria só por causa daquilo. Vá Jô, é agora, pensava ela para consigo mesmo.
- Olha, o que eu te queria dizer lá no café... – começou, sendo interrompida por ele.
- Não te preocupes. Podemos combinar as aulas para um dia qualquer. Diz um dia que te dê jeito e um local, que eu apareço. – ofereceu Luís, amavelmente.
- Ah, sim isso. Obrigada, mas não era isso que te ia dizer. Aliás, eu nem sei se vale a pena ter explicações...
- Que é que queres dizer com isso? – perguntou ele, curioso e preocupado.
- Ainda não sei. Mas isso não é importante. Nós temos que falar sobre nós. Sobre o que aconteceu. – declarou Joana.
Luís parou. Não estava, de facto, à espera daquilo. Sentiu as suas bochechas a denunciá-lo, ficando cada vez mais quentes e vermelhas; sem querer deixou cair os livros de Joana que ainda levava, mas logo se prontificou a apanhá-los; as suas narinas dilataram, como faziam sempre quando ficava nervoso antes dum teste ou exame.
- Mas aqui? Agora?
- Não. Não estou em condições neste momento. – respondeu ela, apontando para a grande nódoa que a cobria.
- Quando, então? – perguntou Luís.
Tinha chegado à casa de Joana. Luís tremia tanto que teve que meter as mãos nos bolsos para disfarçar.
- Hoje à noite. Vem ter comigo aqui. Depois vamos dar uma volta, beber um café. Pode ser? – questionou Joana.
- Sim, claro. Eu depois dou-te um toque quando chegar. Até logo.
- Pois, está bem. Ah...
Outra vez beijinhos? Oh, não! Mas desta vez até que se saíram bem. Aquilo com prática até ia lá, pensou ele.

- Mas que cheiro é este? – perguntou Nuno, ao entrar no quarto.
- Ei, meu. Achas que exagerei? – perguntou Luís, na dúvida.
- Ai o cheiro és tu?
Luís correu para a casa de banho, ligou o duche, despiu-se e enfiou-se lá dentro.
- Só para eu ficar esclarecido, quantas vezes é que já te vestiste? – quis Nuno saber.
- Pá, esta é a segunda vez. – gritou Luís por cima do som da água a cair.
Nuno esperou sentado na cama pelo amigo. Fazia agora meia hora que tinha recebido uma chamada “urgente”. Luís ia encontrar-se com Joana e estava a desesperar. Na ânsia de obter alguma ajuda, chamou o amigo para o aconselhar.
- E agora o que é que eu visto? A roupa que tinha escolhido está cheia de perfume. – lamentou-se ele, regressado do banho.
- Então! Pareces uma mulher. Veste qualquer coisa, uma camisa, umas calças e uns sapatos.
Realmente era aquele o estilo que Nuno usava e por isso é que o recomendava. Desde os tempos em que andava com o seu grupinho, Nuno sempre se vestia bem. Andava sempre de roupas e ténis de marca, sempre modernos e actuais, corrente larga ao pescoço e argola na orelha esquerda. Era a típica personagem acabada de sair dos Morangos. Mas Nuno tinha mudado. Por fora podia continuar o mesmo, afinal havia uma imagem a manter, mas por dentro estava diferente. Já não era a mesma pessoa que quando via Bia e Joana começava a gozar por causa dos Tokio Hotel. Agora percebia os problemas delas e até ajudava. Claro que isso lhe valeu uma dispensa dos seus alegados ex-amigos. Mas era coisa com que ele não se importava.
- Espera, deixa-me ver. – pediu ele, aproximando-se do guarda-roupa de Luís.
Escolheu uma camisa branca com quadrados azuis-claros, umas calças claras e os ténis que Luís costumava usar.
- Veste.
Luís nem perguntou, vestiu-se imediatamente. Afinal, tinha sido para ajudar que tinha chamado o amigo ali.
- Que achas? – perguntou Luís, regressando vestido da casa de banho.
- Está bem... Falta ai algo. Corrente comprida tens? – inquiriu Nuno.
- Tenho mas não é bem o meu estilo. – respondeu timidamente.
Luís era aquela pessoa que nunca se tinha importado muito com o estilo. Todos os dias vestia uma t-shirt escolhida ao acaso, um par de calças, calçava o ténis e saia de casa sem sequer se ver ao espelho.
- Cala-te. Hoje tudo é o teu estilo. Mete o colar e, já agora, despenteia o cabelo um bocado. E não metas perfume, acabaste de tomar banho. – imperou ele, ao ver Luís precipitar-se na direcção do frasco.
- Estou bem assim, meu? – perguntou pela milésima vez.
- És definitivamente pior que elas. Vai. Boa sorte. – atirou-lhe Nuno.
- Sim, bem preciso.

To be continued...

terça-feira, 22 de julho de 2008

57. O SUMO

Se a primeira prova pareceu retirada de um filme cómico, então o resto do dia foi uma comédia romântica. Naquele dia não tinham aulas juntos mas isso não os impediu de se embaraçarem em cada momento que estavam juntos.
Ao primeiro intervalo, e depois de uma longa reflexão de ambos durante a aula sobre o que tinha acabado de acontecer, lá se voltaram a encontrar.
- Então, correu bem a aula? – quis Leonor saber.
- Ah... Sim. – respondeu Luís, ainda aluado.
Bia piscou o olho a Nuno, como quem diz, vê esta agora.
- Então e a aula foi de quê? – perguntou ela.
Ele, que continuava com a cabeça na Lua, pareceu meditar sobre aquela pergunta. Era como se aquilo valesse uma boa nota no teste.
- Ah... – balbuciou ele.
- Português, certo? – ajudou Nuno.
- Ah, sim. Não! Isso é agora, antes foi Matemática. – lá disse Luís.
Joana continuava a olhar para baixo, como se não tivesse passado tempo nenhum entre o cumprimento da manhã e o intervalo.
- Jô! Acabei de te arranjar uma solução para te salvar o ano! – anunciou Bia.
Mas Nuno já devia conhecer a namorada, sempre com alguma ideia maluca, porque é que ele ainda não tinha previsto aquilo?
- Ai sim? – perguntou, algo desinteressada, a amiga.
- Claro! Jô – disse ela, pegando na mão de Luís – apresento-te o teu novo explicador. – revelou ela, triunfante.
Joana levantou imediatamente o olhar; Luís regressou da Lua. O quê? Teriam eles ouvido bem? Pelos vistos sim, já que eles estavam os dois com a mesma cara de constrangimento.
- Olhem, que pena, está a tocar. Têm de combinar os detalhes depois. Vamos? – disse Bia.
Ela e Nuno começaram a andar, deixando os outros dois para trás, especados um em frente do outro sem saber o que dizer ou até mesmo o que fazer.
- Tu és a pior pessoa que eu já conheci. – disse Nuno à namorada.
- Eu sei. Não me adoras por causa disso? – perguntou ela, extravagantemente.
- Amo! – assegurou ele.
- Ei! Vamos, já chega de conversa. – gritou Bia, virando-se para trás.
Conversa? Joana pensou se a amiga estava a falar para eles, já que conversa era coisa que ali não existia. Lá se arrastaram os dois atrás de Bia e Nuno.
Prova número dois: superada. Vá, pronto, meio superada. Mas Joana já as tinha contadas; ai quando apanhasse Bia... Estava feita. Ainda ficava era a faltar a segunda parte da prova: encontrar-se com Luís para combinarem as coisas.
Lá se passou a tarde toda, com peripécias hilariantes a cada minuto. Quando soou o toque de saída, o último naquele dia, Joana quase que implorava para haver mais aulas. Luís nem tinha prestado atenção ao resto das aulas. Quem assistia a isto, achando sempre imensa piada, era Bia e Nuno. Foi a rirem-se escandalosamente que os viram irem para o café, combinar as aulas.
- Espera aí, vai andando. Eu tenho que ir ai num instante falar cm a Bia. – pediu Joana a Luís.
- Está bem. Queres alguma coisa? – perguntou ele.
- Sim, um sumo de laranja, se faz favor.
Ficou a vê-lo encaminhar-se para o café. Quando o perdeu de vista, virou-se para trás e procurou a amiga, que quase que apostava que estava a assistir à cena. Não teve de esperar muito até Bia aparecer, preocupada por ainda estar ali.
- Tu não devias ter ido com o Luís? – perguntou, não disfarçando.
- Dona Beatriz! Que raio de ideia é esta? Nos os dois parecemos o preto e branco, de tão desalinhados que estamos, e u sugeres explicações? – inquiriu, ameaçadoramente.
- Pá, cala-te. Vai mas é atrás do rapaz. Ainda te fiz um favor, vais ver. Vocês não podem continuar assim para sempre. Pensas o quê? Que vão ficar sem se falar? E eu que vos ature, não é? Pois bem, vai à luta. – respondeu Bia.
Joana deteve-se. Não tinha resposta para aquilo. Talvez porque ela tivesse razão. Eles não podiam ficar chateados para sempre, tinham de resolver as coisas. Lá se deu por vencida e recomeçou o percurso até ao café.
Lá chegada, empurrou a porta e procurou-o. Avistou a sua t-shirt de costas para ela, ao balcão. Aproximou-se.
- Luís, nós... AI! – gritou.
Todas as cabeças do café se viraram para ela, quando o seu grito ecoou pela sala. Joana estava toda coberta de sumo de sumo de laranja. Uma grande nódoa que começava na sua camisa branca, prolongava-se até às calças de ganga, encharcando-a com aquele líquido perfumado.
No momento em que Joana tinha chamado pelo seu nome, ele preparava-se para transportar o copo do seu sumo para a mesa. Assustando-se com a voz dela, Luís virou-se repentinamente, derramando sobre o peito da amiga, todo o conteúdo do copo.
- Desculpa! – apressou-se Luís a dizer.
Virou-se para o balcão e pediu um pano. Imediatamente a seguir, ajudou Joana a limpar a camisa. Só que, de tão nervoso que estava, nem se apercebeu do sítio onde estava a limpar.
- Ah, Luís, eu limpo aí. – disse, envergonhadamente.
Luís corou até à porta das orelhas.

To be continued...

domingo, 20 de julho de 2008

56. A PROVA

“Estou?”
- Bom dia, Bia. Já sabes alguma coisa? – disse a voz de Luís, para o auscultador do telemóvel.
“Não. Eu ontem liguei mas ela disse que estava tudo bem e que nos encontrávamos hoje na escola como de costume.”
- Ah, então vemo-nos lá. Ate já. – disse ele, desligando.
Estava nervoso, consideravelmente nervoso. Na tarde anterior, depois de ajudar Joana, acompanhou-a a casa, num percurso silencioso e sem contacto visual. Não tinham falado, muito menos encarado um com o outro. Não sabia como estavam as coisas: por um lado queria terrivelmente ajudar Joana, mas por outro, será que ainda estavam chateados?
Ainda no dia anterior, Luís tinha ligado a Bia a contar o que se passava: por um lado era bom que Joana tivesse tomado a iniciativa de mandar Salvador embora, mas por outro, agora ela já sabia que ele estava outra vez pronto a oferecer “ajuda.” Por sua vez, Bia tinha ficado extremamente espantada e feliz com a atitude da amiga. Por momentos chegou a pensar que desta vez iria ser diferente mas rapidamente afastou esse pensamento e voltou a erguer as armas: não podia iludir-se pelas aparências.
Depois de desligar, Luís arranjou-se e saiu de casa, com a esperança de que Joana soubesse como estavam as coisas. Estava decidido que não ia pensar nisso e depois logo se via, conforme as atitudes dela.

A muitos prédios de distância, mais precisamente no prédio de Joana, esta também se deparava com algumas dúvidas, que teimavam em passear na sua cabeça. A discussão deles tinha sido feia, mas será que a tarde anterior, em que ninguém disse nada, tinha sido suficiente para revólver as coisas? Ou será que Luís continuava chateado e só a tinha ajudado por pena? Bem, podia não saber a resposta mas a única forma de descobrir era indo até à escola e esperar pela reacção dele. Só esperava que ele não tivesse com as mesmas dúvidas que ela, caso contrário, iria ser o desastre total.
Acabou por se levantar da cama, ir à casa de banho e vestir-se. Tomou o pequeno-almoço em casa, como fazia ultimamente para evitar as conversas no café logo de manhã, pegou na mala e saiu.

- Bom dia. – saudou Bia.
- Olá. – cumprimentou Luís, dando dois beijos à amiga e um aperto de mão a Nuno.
- Há novidades? – perguntou Nuno, que também já estava a par da situação.
Agora, com a irmã em casa, era mais fácil dar notícias. Bastava ligar para Leonor ou Nuno que cada um se encarregava de avisar o outro.
- Não. Ela ontem não disse nada e eu estou à espera de hoje para ver como ela reage. – respondeu, deixando transparecer na voz o nervoso miudinho que o atormentava.
- Tem calma, vais ver que vai correr tudo bem. Relaxa. – aconselhou o amigo.
- Ai não relaxes, não. Não relaxes porque a Joana vem ali. – informou Bia que estava atenta à chegada dos autocarros.
Luís tremia de alto a baixo. E se ela não lhe falasse? E se ela o ignorasse? Tinha que estar atento, tinha que reparar nos sinais. Não podia decidir falar com ela assim de repente, porque Joana é que tinha dito para ele não se meter na vida dela.
Mas na cabeça de Joana pairava o mesmo pensamento: iria agir conforme as atitudes de Luís. Sabia que não podia ser ela a decidir falar-lhe ou não, afinal de contas, tinha sido ela a dizer-lhe para a deixar em paz. Ele ainda podia estar chateado.
- Olá, Jô. – disse Bia, cumprimentando a amiga com dois beijinhos.
Seguiu-se Nuno que fez o mesmo. A partir daí, a desgraça foi total. Se alguém assistisse a esta cena, poderia achar que tinha sido retirada de um filme cómico e mudo. Depois de cumprimentar Nuno, fez-se silêncio. Apenas Bia e Nuno olhavam um para o outro. Joana e Luís olhavam os dois para o chão. Quando decidiram levantar a cabeça, fizeram-no ao mesmo tempo. Ficaram estáticos por segundos até que, não observando sinais reveladores da situação, se decidiram a cumprimentarem-se. Desastre total. Em vez de cada um se inclinar para lado opostos para darem os respectivos beijinhos, viraram as caras para o mesmo lado. Quando se aperceberam, precipitaram-se ambos para o lado contrário, fazendo outra vez a mesma coisa.
Bia e Nuno faziam tudo para não se desmancharem a rir. Finalmente lá se conseguiram cumprimentar, voltando depois cada um a olhar para o chão.
- Pois, bom, vamos para as aulas? – sugeriu Bia, cortando o silêncio.
Mentalmente, Joana e Luís agradeceram a Bia por ter dito aquilo, despachando aquele momento constrangedor.
Mas o dia ainda agora tinha começado e aquela fora só a primeira prova.

To be continued…

sexta-feira, 18 de julho de 2008

55. A TENTATIVA

Algumas semanas haviam passado desde a noite em que Joana viu a carrinha cruzar a esquina. Não tinha sabido mais notícias da banda; não enviou um único e-mail a Bill. Não porque não pudesse, mas porque não queria. Desta vez era diferente: ele não lhe tinha contado que se ia embora porque pensara que era o melhor para ela.
Já Bia, não achava diferenças nenhumas. Sabia o que tinha acontecido da última vez e não duvidava que iria acontecer o mesmo agora. Tinha falado com Nuno e Luís e tinham combinado entre eles ficarem de olho nela. Bia passava a maior parte do tempo com ela; mas era só Bia. Ela e Luís ainda não se falavam e não estavam juntos. Nuno, para não o deixar sozinho, estava sempre com ele. Mas a tarefa que lhe tinha calhado não era vigiar Joana: era vigiar Salvador.
Leonor tinha cancelado a sua matrícula na faculdade, tratado de alguns papéis para poder passar mais tempo no estrangeiro e empacotado mais coisas. Não era uma mudança porque, com eles em Tour, não estavam sempre no mesmo sítio; mas que no seu quarto já restavam poucas coisas suas, já. Com quase tudo tratado, Leonor tencionava partir dentro de alguns dias.
E assim tinha passado o tempo por eles: quase sem se dar por isso. Naquele dia, um entre muitos outros, Bia e Joana estavam juntas a falar.
- Correu-te bem o teste? Eu não tenho a certeza da resposta da 5.2, mas acho que no geral me safei. – comentava Bia, sobre o teste que tinham tido na aula anterior.
- Mais ou menos. Não quero pensar nisso. – respondeu Joana, aluada.
Ultimamente era frequente encontrar Joana naquele estado. Tudo lhe passava ao lado. Passava horas a olhar para o vazio, não estava presente em lado nenhum. Nas aulas, quando os professores lhe perguntavam algo, não sabia responder, diminuindo assim o desempenho de boa aluna que sempre fora. Era um corpo abandonado pela alma que vagueava pelos corredores da escola.
- Jô, tenho mesmo de te perguntar isto. – começou Bia, devagar.
Joana olhou para ela. Bia notou que havia qualquer coisa nos seus olhos que denunciavam que não era a mesma pessoa que ali estava. O brilho, a alegria, fosse lá o que fosse, não estava presente. Era possível que ele lhe tivesse causado tanto mal?
- Não vai acontecer o mesmo. – respondeu Joana, antes sequer de a amiga formular a pergunta.
- O quê? – perguntou ela, não percebendo.
- Não ais perguntar se eu estou bem e se estou segura? – inquiriu Joana.
- Sim...
- Então aí tens a resposta: não vai acontecer o mesmo.
O sinal de entrada para a última hora soou e todos se apressaram a entrar. Luís e Nuno passaram por elas e Bia aproveitou para dar um beijo ao namorado. Joana evitou encarar Luís, o que aumentou o constrangimento geral. Depois de se despedirem, lá seguiram para as aulas.
- Menina Joana, menina Joana! – gritava uma contínua, correndo na direcção dela.
- Diga. – respondeu Joana, quando a senhora a alcançou.
- Olhe, depois das aulas vá ao gabinete do director que ele quer dar-lhe uma palavrinhas, se faz favor. Não se esqueça. – advertiu a senhora, indo-se depois embora.
Joana e Bia não repararam, mas naquele momento, Salvador passava atrás delas e ouvira a conversa. Bia fitava agora Joana, preocupada.
- Queres que vá contigo? – perguntou ela.
- Não, deixa. Deve ser por causa das notas. Da última vez chamaram a minha mãe. – respondeu a amiga.
Mas Joana não queria saber de ser chamada para falar com o director. Nada lhe importava, muito menos a escola. Tinha concluído que só ia lá para se distrair e para ninguém a chatear. Lá acabaram por entrar na aula.
Hora e meia depois, as portas das salas abriram-se de rompante e os alunos percorriam os corredores felizes, finda a última aula do dia. Joana despediu-se de Bia e foi para o seu compromisso.

- Pá, até amanhã. – disse Luís, abrindo o cacifo.
- Não vens? – perguntou Nuno.
- Sim, sim, eu vou. Só vou à casa de banho. Vai andando, vai ter com a namorada, meu. – respondeu.
Nuno afastou-se, correndo para alcançar a namorada que o esperava no café. Depois de se tornarem mais amigos, Nuno havia convencido Luís a entrar para a equipa de futebol da escola e, naquele dia, tinham tido treino depois das aulas.
Já sozinho, Luís atirou as coisas para dentro do cacifo e foi à casa de banho. Àquela hora, já não estava ninguém na escola, apenas as pessoas que tinha actividades extra-curriculares.

Joana saía do gabinete do director exactamente como entrara: indiferente. Claro que tinha sido chamada por causa das notas. Ainda podia ouvir na sua cabeça a voz possante do director a perguntar o que lhe estava a acontecer e que se continuasse assim, o mais provável era perder o ano. Mas ninguém percebia que isso era o menor dos seus problemas.
Percorria agora aqueles corredores silenciosos quando, de repente, uma voz ecoou.
- Ei, miúda.
Não, não podia ser. Só havia uma pessoa que a tratava assim e ela não precisava de ser virar para saber quem era. Mas virou-se.
- O que é que queres? – perguntou ela.
Salvador tinha ficado à espera que ela saísse do gabinete. Sabia que ela ia lá depois das aulas.
- Espera aí. Quero falar contigo! – disse ele, apressando-se para a seguir, já que ela não tinha parado.
- Eu não tenho nada para te dizer. – respondeu friamente, abrindo o seu cacifo.
- Ouvi a mulher a dizer para ires lá ao director. Está tudo bem? – perguntou.
- Como se te importasses...
De facto ele não se importava, mas conhecia-a e sabia que estava com problemas.
- Olha, se quiseres alguma coisa... Eu tenho matéria nova, da boa. Ainda posso resolver os teus problemas, lembras-te? – informou ele.
- Vai-te embora! Sai daqui, já! Vai! Deixa-me em paz e nunca mais me fales! – gritou ela, expulsando-o dali.
Ele não teve outro remédio que ir. No momento em que ela o deixou de ver, perdeu as forças e caiu no chão. As lágrimas corriam-lhe pela cara. Depois do mal que lhe fizera, como é que ele se atrevia a falar com ela? A chegar junto dela? Fazer o mesmo que fizera da última vez?
Luís tinha ouvido tudo. Estava para sair quando ouvir a voz de Joana e decidiu esperar. Só depois reconheceu a voz de Salvador e teve vontade de lhe bater. Mas conteve-se. Tentava escutar mas, ao não ouvir um único barulho, saiu.
Mal abriu a porta, o soluçar de Joana atingiu-o. Ela também o tinha visto mas continuou na mesma. Naquele momento, tanto ela como ele, perceberam que não era altura para zangas. Luís chegou-se junto dela, baixou-se e levantou-a. Amparando-a só com uma mão, usou a outra para lhe afastar o cabelo molhado da cara.
- Tem calma, está tudo bem. Fizeste o que tinhas de fazer. – disse-lhe ao ouvido, abraçando-a.
Ela sentiu-se protegida.

To be continued...

quarta-feira, 16 de julho de 2008

54. O BANHO

Luís esperava sentado no muro a pelo menos dez metros da casa dela. Não queria que o visse e acontecesse o mesmo da última vez. Queria apenas certificar-se de que ela bem. E já que ela não lhe falava, era obrigado a vê-las às escondidas.
Já fazia algum tempo que estava lá. Mal Leonor ligara a avisar Bia, ele correra e plantara-se ali. Mas era crucial que ela não o visse. Se Joana ao menos soubesse como ele gostava dela...
Os faróis ao longe começavam a tomar contornos. O carro estava cada vez mais perto e a andar cada vez mais devagar. Luís reconheceu a matrícula do carro de Leonor; aproximou-se o mais que pôde e escondeu-se atrás duma árvore. Apesar do breu da noite, conseguiu distinguir dois vultos dentro do automóvel. Tinha de ser ela. E era. Viu-a sair, com a cabeça baixa. Uma onde de raiva e ódio percorreu o seu corpo: como é que ele a podia deixar duas vezes?
- Jô! Espera! – gritou Leonor de dentro do carro.
Joana já tinha saído e prepara-se para ir para casa.
- Sim? – disse, voltando atrás e fitando a amiga através da janela aberta.
- Ficas bem? – perguntou Leonor preocupada.
- Sim, claro... Vai andando. Já é de noite, tem cuidado. – aconselhou ela.
Leonor despediu-se e foi-se embora. Luís pôde ver Joana à espera que o carro da amiga desse a curva para entrar em casa. Tinha começado a subir os degraus quando se deteve e olhou para o lado. Para o lado e para o preciso lugar onde Luís estava. Ele, mal a tinha visto virar a cara, escondeu-se. Depois de alguns segundos a observar a rua aparentemente deserta, Joana acabou por se conformar que não havia ali ninguém e entrou em casa.
Luís não ousou espreitar antes de ouvir a porta bater. Tinha o coração a cem à hora e tudo o que menos queria era piorar as coisas com ela. Acalmou-se durante cinco minutos e depois foi-se embora.

- Bom dia. A Joana está? – perguntou Bia, quando a mãe dela lhe abriu a porta.
- Bom dia, querida. Está sim. Está encafuada no quarto desde ontem. Eu vi na televisão que eles se foram embora. Ela não me disse nada. Beatriz, eu juro que se voltar a acontecer, eu processo aquela banda! – ameaçou a mãe de Joana.
- Tenha calma, eu vou lá falar com ela. Posso? – pediu, antes de entrar.
- Claro, desculpa, entra. Está à vontade.
Bia entrou e agradeceu. Depois de dar as saudações ao pai de Joana, foi ao quarto da amiga. Antes de bater, respirou fundo e preparou-se para o que vinha aí.
- Jô? Posso?
Não obteve resposta. Talvez estivesse a dormir e não a ouvisse. Ia entrar e esperar. Assim fez. Mal abriu a porta, verificou que a amiga não tinha dormido. Tinha as olheiras caídas e a roupa do dia anterior ainda vestida.
- Joana! – suspirou Bia, apressando-se a abraçá-la.
Ela desatou a chorar, embalada pelo abraço de Bia. Era reconfortante estar ali mas ao mesmo tempo era melancólico.
- Tem calma. Olha, vamos tirar essa roupa e tomar banho, ok? – sugeriu Bia, ao ver que tinha entre braços uma boneca, inanimada e sem vida, que precisava de cuidados.
Joana não fez obstruções. Deixou-se guiar por ela. Bia ajudou-a a despir a roupa, ligou a água e enfiou-a na banheira. Como estava a ampará-la, não reparou na tatuagem da barriga. Depois de a mergulhar na espuma da banheira, a tatuagem ficou oculta, sem ainda se dar a conhecer. Deixou-a estar naquela água quente durante uns minutos.
- Vá toma. – disse estendendo uma esponja com gel de banho.
Mas Joana não a ouviu; Bia duvidou até que a tivesse visto. Com o olhar fixo e distante, Joana estava absorta pelos pensamentos. Ele tinha-se ido embora.
Ao ver que ela não reagia, Bia não teve outro remédio que ajudá-la a tomar banho.
- Vá, levanta-te. – ordenou.
O subconsciente da outra parecia responder-lhe porque ela assim fez.
- Isso, agora vira-te de frente. – pediu.
Preparava-se para lhe esfregar os braços quando reparou. Deixou cair a esponja no chão e soltou um breve guincho. Como boa fã que era, reconheceu imediatamente o desenho igual ao de Bill e percebeu que era isso que ela escondia.
- Tu fizeste uma... tatuagem igual à dele? – perguntou, ainda chocada, sentado-se no tampo da sanita.
Mas Joana desta vez já a ouvia. Tinha despertado no momento em que ela lhe pediu para se virar. Sabia que não podia esconder mais a tatuagem e assumiu-a. Mas, quando ela lhe fez aquela pergunta, não foi capaz de responder e mergulhou novamente no abismo. Apenas lágrimas caíam dos seus olhos inchados.
Bia reagiu imediatamente. Não teve tempo para pensar e levantou-se para a agarrar. Segurou-a firmemente enquanto dizia:
- Está tudo bem.
Mas ela sabia que não estava. Uma tatuagem? Ela tinha feito uma tatuagem igual à dele! Estavam sempre ligados, agora. Retomou o seu trabalho de lavá-la mas evitou veemente a zona do desenho preto e branco.
Depois de saírem da casa de banho, embrulhou-a no lençol e sentou-a na cama. Joana obedecia a tudo. Escolheu uma roupa da gaveta do guarda-roupa e vestiu-lha. Apesar de ser de manhã e do dia ainda estar a começar, deitou-a na cama e foi fechar a janela. Quando regressou para junto dela, tacteando as coisas para não cair, ouviu, pela primeira vez naquele dia, as palavras sumidas na voz de Joana.
- Fica aqui comigo. – pediu.
Bia deitou-se na cama ao seu lado, colocando um braço nos ombros dela, reconfortando-a. E ficou ali, com ela.

To be continued...

terça-feira, 15 de julho de 2008

53. A DESPEDIDA

Joana tinha-se deixado cair no pouco pedaço de cama que não estava ocupado pelas malas. Embora?
- Why are you telling me just now? (Porque é que me estás a dizer só agora?) – quis ela saber.
- Well, we had this thing and I like you, I really do. So I didn’t want you to suffer. I thought if I told you now, you wouldn’t feel so bad... (Bem, nós tínhamos esta coisa e eu gosto de ti, eu gosto mesmo. Então eu não queria que tu sofresses. Pensei que se te dissesse agora, não ias ficar tão mal...) – explicou ele.
Não se iria sentir tão mal? Mas ele estava a brincar ou a gozar com ela?
- I’m sorry? You thought I wouldn’t feel so bad? Are you kidding me? (Desculpa? Pensaste que eu não ia ficar tão mal? Estás a brincar comigo?) – perguntou Joana, sem reparar no tom autoritário com que falava.
- Ja... We were just lovers. As much as I like you, I can’t take you with me. I’m sorry if you thought I could, I know that most of girls think that, but it’s impossible. That’s why we don’t have girlfriends. Except Georg, but Leonor leave everything for him. I’ll never ask you that. (Sim. Nós éramos só amantes. Por mais que eu goste de ti, não te posso levar comigo. Desculpa se pensaste que sim, eu sei que a maioria das raparigas pensa isso, mas é impossível. É por isso que não temos namoradas. Excepto o Georg, mas a Leonor deixou tudo por ele. Eu nunca te pedia isso.) – disse ele, pensando pela primeira vez em Joana antes de pensar nele.
- Wait. You didn’t tell me ealier because you care about me? (Espera. Tu não me disseste antes porque te importas comigo?) – inquiriu Joana.
- Ja. (Sim.)
- You won’t take me you because you don’t want me to leave everything for you, even knowing that I would? (Tu não me levas porque não queres que eu deixe tudo por ti, mesmo sabendo que eu deixava?) – perguntou novamente.
- Ja. (sim.)
Ele estava, finalmente, a ser sincero. Mas como é que ele podia fazer aquilo? Bastava pedir, bastava dizer “vem comigo”, que ela ia. Nem olhava para trás. Por favor Bill pede, pensava ela.
- You won’t ask me to go? (Não me vais pedir para ir?) – questionou ela.
- No, I can’t. It’s for your own good. (Não, não posso. É para o teu próprio bem.)
Dito isto, levou a mão ao cabelo de Joana, afastou uma madeixa que lhe cobria a face e levantou-lhe a cara. Ela ficou, sentada, a olhar para ele, que estava em pé. E então, lentamente, Bill dobrou-se e beijou-a. Mas não foi um beijo como os outros; não, este era especial. Era um beijo entre duas pessoas que gostavam uma da outra.
Joana não pôde evitar. As lágrimas escorriam-lhe pelas bochechas, molhando também a cara de Bill. Quando finalmente de separaram, ele tinha também o canto do olho borrado, denunciando alguma lágrima que queria fugir. Joana deixou-se ficar ali, ajudando Bill a arrumar as suas coisas.
A noite tinha caído e o grupo já se encontrava todo na garagem com as malas arrumadas nas carrinhas. Na hora de se despedirem, Joana e Leonor não conseguiram evitar. A primeira, sabia que a despedida era para sempre; mas a segunda era até dali a umas semanas.
- You can writte me. Send me an e-mail. (Podes escrever-me. Manda-me um e-mail.) – sugeriu Bill.
- We both know that an e-mail isn’t enough. (Ambos sabemos que um e-mail não é suficiente.) – respondeu, realista, Joana.
- Come here. (Chega aqui.) – pediu ele, abraçando-a quando a alcançou.
Mais ao lado, Leonor desfazia-se em lágrimas, agarrada ao seu baixista preferido.
- I’ll miss you so much... (Vou ter tantas saudades tuas...) – dizia ela.
- Take it easy, Nônô. (Tem calma, Nônô...) – reconfortava ele.
Elas as duas não sabem quanto tempo mais ficaram ali, à espera da partida. Mas, a avaliar pelo sofrimento e tristeza que sentiam, podia ter sido anos.
- Well, bye. (Bem, adeus.) – despediu-se Bill.
- Don’t say that. Just say see you one day. (Não digas isso. Diz só vemo-nos um dia.) – pediu Joana, dando-lhe um beijo e um abraço.
Ninguém se importava com estas intimidades ali; Tom, Gustav e Georg tinham-se despedido de Joana com alguma tristeza também. Disseram um até já a Leonor, que a fez rir. Joana deixou Bill, que levou com ele toda a alegria, as memórias dos bons momentos passados. E ela ficou sozinha, com a sua tatuagem na barriga. Quando o barulho das portas a fechar, se ouviu naquela garagem fria, foi como se todos os ossos do corpo delas se desfizessem, perdendo a rigidez.
A carrinha tinha começado a andar, afastava-se cada vez mais delas. Como os vidros eram escurecidos, elas não viam, mas lá dentro, todos olhavam para trás. Estava quase a cruzar a esquina, estava quase a perdê-los de vista, pensava Joana. Por favor Bill, volta, não vás, pedia ela, mentalmente.
Mas a carrinha cruzou mesmo a esquina, mergulhando naquela noite fria e sombria, sem pudor.

To be continued...

segunda-feira, 14 de julho de 2008

52. AS MALAS

O sábado tinha amanhecido com o sabor de um pequeno oásis naquele grande deserto a que chamavam aulas. O corredor do andar que os Tokio Hotel ocupavam, estava concorrido, com pessoas a correr de um lado para o outro, carregando malas, roupas, guitarras, caixas, etc.
Nos seus quartos, os membros da referida banda há muito que já tinham acordado; estavam habituados àquelas andanças e, por mais que gostassem de férias, o regresso ao trabalho já era desejado por todos.
- Bill, make sure you choose your t-shirt before closing the bags. (Bill, certifica-te que escolhes a t-shirt antes de fechar as malas.) – advertiu Tom, gritando do seu quarto.
- Tom, make sure that your cap’s color matchs with your XXL t-shirt. (Tom, certifica-te que a cor do teu boné combina com a da tua t-shirt XXL.) – ironizou Bill, sarcasticamente.
E eram assim, com um ambiente divertido, que lá iam arrumando as coisas. Gustav, sempre madrugador, já tinha arrumado tudo como ele queria e estava deitado a ver televisão.
Georg, desarrumado como sempre, tinha o quarto desarrumado, com as coisas pelo chão. Foi Leonor quem teve de o ajudar a arrumar tudo, dobrando cuidadosamente cada t-shirt, guardando cada par de calças. Fazia-o vagarosamente porque estava triste; ela e Georg tinham decidido que Leonor iria cancelar a matrícula da faculdade; estava tudo a correr bem e não havia razões para ela voltar para lá tão cedo. Como essas coisas demoravam tempo, Leonor iria ficar algumas semanas para resolver tudo e depois juntar-se-lhes-ia de novo.
Tom, não querendo descuidar a imagem, tinha-se vestido e arranjado primeiro, arrastando agora as suas grandes roupas pelo quarto, apanhado e dobrando alguma t-shirt de tamanho grande que por ali tivesse caído.
Bill, esse, necessitava da ajuda de pelo menos duas pessoas para arrumar as suas coisas. Desta vez, prevenidas, as duas mulheres que o ajudavam, tinham-no obrigado a vestir-se antes, para evitar algum percalço.
Apesar de só saírem de noite, para não dar tanto nas vistas, o staff tinha recomendado que arrumassem as coisas antes, para poderem serem transportadas para as carrinhas.
No seu quarto, Leonor e Georg falavam.
- I’ll miss you so much. (Vou ter tantas saudades tuas.) – dizia ele, abraçando-a com tanta força que caíram redondos na cama.
- Gê! – disse ela, abreviando o nome dele, carinhosamente.
- Let’s stay here forever. (Vamos ficar aqui para sempre.) – disse ele, rindo-se e apertando-a mais para que ela não fugisse.
Mas Leonor sabia o que fazer: com as pontinhas dos dedos, fez-lhe cócegas até a soltar. Já liberta e em pé, disse:
- I need to talk to Bill. Wait here or go see Gustav. (Eu preciso de falar com o Bill. Espera aqui ou vai ver o Gustav.)
Leonor já queira ter falado com ele antes mas não teve tempo. Tinha de saber se ele já tinha tomado alguma decisão.
- Bill? – perguntou ela, antes de abrir a porta semi-encostada.
- Ja. (Sim.) – disse ele, num tom de “entra, estou vestido”.
Ela lá entrou. Duas grandes malas abertas estavam pousadas em cima da cama, de onde se podiam ver várias t-shirt dobradas, produtos para o cabelo, calças, ténis e sapatos e acessórios.
- I was wondering if you already spoke with Joana. (Eu estava a perguntar-me se tu já falaste com a Joana.) – perguntou ela, curiosa.
- About what? (Sobre quê?) – inquiriu ele, levantando a sobrancelha, como costumava fazer.
- Ah... About leaving. (Ah... Sobre ir embora.)
- Oh... That. Nein. (Oh... Isso. Não.) – respondeu ele, como se fosse um assunto que não tivesse importância.

Joana tinha ficado mais umas horas na cama, por preguiça e por vontade de não se levantar, mas agora já ia a caminho do hotel. Ai como estes últimos dias pareciam retirados de um conto de fadas, pensava ela.
Alguns minutos e pensamentos distantes mais tarde, tinha chegado e preparava-se para subir. Ia tão distraída com a vida, que nem reparou que uma mulher carregava uma grande mala com o símbolo dos Tokio hotel no elevador.
Tinha saído andar certo e preparava-se para ir para o quarto certo. Por sorte, ou não, naquela altura não havia a azáfama que tinha caracterizado aquele espaço e o corredor estava livre. O sonho de Joana foi, assim, prolongado alguns minutos mais.
- Good morning! (Bom dia!) – saudou ela, fresca e apaixonadamente.
- Hallo. (Olá.) – disse Bill, aparecendo à porta da casa de banho.
Ela olhou à volta. Malas em cima da cama? Mas teria Bill decidido finalmente arrumar as roupas?
- Why are two bags on bed? (Porque é que estão duas malas na cama?) – perguntou ela.
- Because we are packing things. (Porque estamos a arrumar as coisas.) – respondeu ele, agora já com uma voz atrapalhada.
- Why are you packing things? (Porque é que estão a arrumar as coisas?) – inquiriu ela, com medo na voz e na alma.
- I need to tell you something. We’re leaving. (Preciso de te dizer uma coisa. Vamos embora.) – anunciou ele, sem tempo para ela raciocinar.

To be continued...

sábado, 12 de julho de 2008

51. AS FÉRIAS

Joana olhou timidamente à volta. Todas as suas colegas tinham parado de fingir que prestavam atenção no que quer que fosse para se concentrarem na sua barriga. Mas que raio é que ela escondia? Um piercing, pensava uma; estava, claramente, grávida, imaginava outra.
- Ah... Bia, podíamos falar noutro sítio? – pediu Joana baixinho, algo envergonhada.
Bia também olhou à volta e reparou nas faces coradas da amiga.
- Sim, claro. Desculpa. – respondeu.
Ambas arrumaram rapidamente as roupas e correram para um cubículo. Guincharam que estavam aflitas e lá conseguiram uma vaga. Entraram as duas, cúmplices.
- Joana, o que se passa? Nós não éramos assim, fogo. – confessou Bia, deixando cair aquela máscara de pessoa rígida e fria.
Joana sentou-se na sanita e baixou o olhar. Sentiu que, desta vez, era a sua amiga que tinha ao lado e não a pessoa que antes estava a gritar com ela.
- Não sei, foi tudo tão rápido, a chegada dele, o Luís a discutir, depois parecia que vocês estavam todos contra mim. Ninguém parou para me perguntar se eu queria estar com o Bill. Todos me tentavam afastar dele, mas algum de vocês pensou que talvez eu quisesse estar com ele? Depois para ir lá eu tive de começar a inventar desculpas e pronto. Depois já sabes... – revelou Joana, desabafando o que lhe ia na alma.
- Oh Jô! – disse Bia, baixando-se e abraçando a amiga.
Joana deixou escorrer algumas lágrimas, bem como Bia. Como é que elas se puderam afastar tanto? Elas, tão amigas e que se apoiaram uma à outra quando todos as gozavam devido ao gosto pelos Tokio Hotel?
- Olha, em relação ao Luís... – começou Joana.
- O que é que tem? – perguntou a outra.
- Eu não quero mesmo falar com ele. Apesar de estar aqui a falar contigo, quando discutimos, ele disse coisas que eu não gostei e que me magoaram – verbalizou rigidamente Joana.
Bia não teve outro remédio que não anuir e aceitar aquela decisão.
- Em relação à tua barriga... – ia Bia a dizer.
- Não quero falar disso. Pode ser? – pediu Joana.
- Está bem.
Com algumas raparigas a reclamarem quererem ir à casa de banho, elas lá tiverem de ceder o lugar e voltar para o balneário. Os olhos das colegas espetavam-se-lhes na pele como flechas, analisando cada passo que elas davam. Bia olhou à volta e viu, concentrados na barriga de Joana que se preparava agora para se despir, os olhares de todas.
- Mas aqui ninguém tem aulas a seguir? Vão ficar aqui todas à espera do fogo de artifício? Não há nada aqui para ver. – alvitrou ela, colocando uma toalha de banho à volta de Joana para que ela se pudesse vestir.

Mais dias chegaram; mais dias se passaram. Joana podia agora contar algumas coisas a Bia. Claro que a tatuagem continuava em segredo; não sabia bem porquê, era uma coisa dela e de Bill.
Bill, esse, continuava com a sua vida, passando algum tempo com Joana. Depois das aulas, era vê-la correr para apanhar o autocarro, ou esperar por Leonor para lhe dar boleia para o hotel.
Bia, aceitava muito melhor a relação da amiga com Bill, embora achasse que aquela relação era demasiado toldada às formas do vocalista. Mas Bia já fizera questão de informar Joana sobre a sua opinião.
Luís e Joana nunca mais se falaram, para tristeza do primeiro. Luís tinha percebido uma coisa: tinha-se apaixonado por ela e tinha-a perdido. Ela, quer ele quisesse, quer não, não lhe queria falar e passava todo o tempo com aquele tipo com cabelo electrocutado, como ele o apelidara. Todas as notícias sobre a sua amada, eram agora fornecidas por Bia. Luís era obrigado a ver ao longe as amigas a falarem; mal ele se aproximava, Joana ia-se embora. Ele até tinha tentado falar com ela, mas era escusado.
Assim se tinha passado o tempo. A banda continuava a desfrutar daquelas férias. Mas o problema das férias é que, por melhores que sejam, têm sempre de acabar. E as duas semanas que eles iam passar em Portugal, estavam assim. A acabar.

To be continued...

sexta-feira, 11 de julho de 2008

50. O BALNEÁRIO

- Joana! Acorda, não vês que estás atrasada? A mala para Física está junto à porta. Não te esqueças. – gritou a mãe, da cozinha.
Joana acordou, sobressaltada. Tinha perdido a noção do tempo e não ouvira o despertador tocar. Sentou-se na cama e puxou pela cabeça. Teria sido um sonho? Rapidamente saltou da cama e correu até ao espelho, fitando aquele pedaço de fibra branco que estava na sua barriga. Lembrou-se do que o tatuador dissera no dia anterior sobre poder tirar e puxou o penso devagar. A tatuagem parecia ainda mais bela.
Esquecendo-se da época primaveril em que estavam, Joana vestiu uma camisola mais comprida, para que lhe tapasse a barriga toda quando se esticasse. Com Luís, Bia e Nuno em cima era preciso ter muito cuidado. Vestiu-se, pôs creme na estrela e foi à cozinha. Porém, antes de sair do quarto, esticou-se até à cómoda e tirou algo lá de dentro.
- Bom dia, mãe. – saudou, abrindo a porta da cozinha.
- Bom dia, querida. Come qualquer coisa, já vais atrasada. Hoje é sexta-feira por isso coloquei a mala de Física ao lado da porta. Não te esqueças! – avisou a mãe.
- Está bem! Agora vou indo.
A mãe deu-lhe um beijo na testa, ela pegou nas malas, enfiou o que tinha tirado da cómoda lá dentro e saiu. Correu para a paragem e apanhou o autocarro.

- A Joana? – perguntou Luís, enquanto entravam.
- Não sei. Ainda não chegou. Só espero que venha. Se ela falta mais algum dia, os professores vão ligar para casa. – respondeu Bia.
- Já sabes o que é que ela estava a esconder ontem? – perguntou Nuno, que tinha estado a ouvir a conversa.
- Não, ela fugiu e não me deixou ver. Mas é algo muito estranho. Eu puxei um bocado a camisola e ela gritou logo. Cá para mim, deve ter caído ou algo do género.
Joana era agora o tema matinal do grupo. Os problemas em que se tinha metido ultimamente eram o passado, ainda presente, do que ela era capaz. A qualquer sinal, era preciso estar lá para evitar qualquer confusão. Bia tentava.
- Bem, até já. – disseram Nuno e Luís, enveredando para o corredor do balneário masculino.
Bia deu um beijo a Nuno e seguiu para o lado oposto. Era sexta-feira e tinham Educação Física à primeira hora. Como o pavilhão era grande, todo os agrupamentos tinham aquela aula em conjunto. Aliás, era a única aula que eles tinham em comum.

- Espere! Não feche! – gritou Joana, ao longe, a correr.
O porteiro olhou para ela, reconheceu-a e esperou. Quando ela estava mais perto, abrandou o ritmo e ele falou-lhe.
- Bom dia, menina Joana. Não tem vindo à escola. Está tudo bem? A mãezinha e o paizinho estão bons?
- Bom dia, Sr. Joaquim. Estão, estão. Eu é que estava um bocado adoentada e fiquei em casa estes dias. – respondeu ela.
- Doente? Mas é Primavera. As flores estão a abrir, os frutos a nascer. Está um tempo tão bonito! – disse o Sr. Joaquim, gesticulando para as árvores.
Joana vacilou; pensou numa boa resposta para que ninguém desconfiasse.
- Sabe, são as alergias. É como o Sr. diz, são as flores. Agora tenho de ir que estou atrasada. – disse Joana, afastando-se, para evitar mais conversa, não fosse ela ainda descair-se.
- Vá, vá, menina Joana. Vá que já está atrasada.
Sim, ela sabia bem que já estava. Mas queria chegar mais tarde. Sabia qual era a primeira aula e não queria despir-se na frente das colegas. Sabia o que ia acontecer se o fizesse.
Lá caminhou até ao ginásio, agora já sem pressa. Meteu a cabeça dentro do balneário. Ufa, estava safa. Entrou rapidamente e vestiu-se. Apanhou o cabelo, molhou a cara, bebericou um pouco de água e saiu. Ao contrário de todas as aulas, ao contrário mesmo de todos os anos, Joana não se juntou a Bia para correr. Bia, esta, corria com Nuno e Luís. Todos já tinham visto Joana chegar mas continuaram, sempre de olhos atentos na sua barriga. Azar o deles! Naquele dia, Joana tinha tirado um top da cómoda da roupa e tinha-o vestido por baixo da t-shirt da escola. Mesmo com os saltos e corridas, o justo top nunca deixava ver o que quer que fosse, mesmo que isso fosse uma tatuagem na barriga. Está claro que isso só serviu para aguçar a curiosidade de Bia e confirmar as suas certezas: a amiga escondia algo.
A aula passou, sem que ninguém visse nada. Mas Joana deparava-se agora com um problema maior: tinha que se desequipar. Não podia demorar muito pois tinha aula a seguir. Não tinha tempo de ir a casa mas não se queria despir à frente de todas. Ela bem tentou mas as raparigas mais tímidas correram para os cubículos de casa de banho e trancaram-se lá dentro. Já estavam todas habituadas a que elas fizessem isso. Porém Joana tinha outra vez o grande problema: despir-se. Pelos vistos, Bia reparara nisso.
- Não te despes? – perguntou ela, algo fria.
- Já me dispo. Estou a descansar. Não estou a ocupar o teu espaço, pois não? Então mete-te na tua vida. – disse, retoricamente.
Naquela altura, as restantes colegas que se estavam a vestir, percebem que algo de errado se passava e concentraram as suas atenções nos fracos de champô e amaciador.
- Só te fiz uma pergunta. Peço desculpa se incomodei. Se estás tão chateada, devias ter ido para onde foste ontem e anteontem. – provocou Bia.
Joana tinha-se levantado e estava agora a escassos centímetros de Bia. Ninguém ousou meter-se no meio das duas.
- Já te disse que não tens nada a ver com isso! – vociferou Joana.
- Toquei na ferida, foi? Não gostaste do que ouviste? – provocou ainda mais.
Joana não respondeu. Sabia que a linha que separava a calma da raiva há muito que tinha sido ultrapassada. Bia aproveitou o silêncio dela para concluir.
- Então Joana, como é? Vais tirar a roupa e mostrar a barriga ou não?

To be continued...

quarta-feira, 9 de julho de 2008

49. A TATUAGEM

- Is it hurting? (Está a doer?) – perguntou.
Mas não obteve resposta. As lágrimas que escorriam pela pele clara de Joana eram suficientemente esclarecedoras. Na sala apenas estavam Joana, Bill e o tatuador. Saki tinha ficado à porta para assegurar que ninguém indesejado entrava.
Deitada numa marquesa, Joana agarrava com força o braço de Bill que ficava mais vermelho a casa agulha espetada na carne de Joana.
- Queres parar? – perguntava o tatuador, já habituado àquelas coisas.
- Não, não. Continue. Quando mais rápido acabar melhor.
Felizmente era só numa cor e não tinham de andar ali a fazer muitos pormenores. Ai, mas estava a doer tanto. Se soubesse... Mas Bill tinha-a levado até ali e também não ia dizer que não. Afinal era uma cosia que ela queria, certo?
- Breathe. (Respira.) – dizia Bill, trocando de braço e assoprando para o outro que estava vermelho.
- Oh I am so completely breathing! (Oh eu estou mesmo a respirar.) – disse ela, com os dentes cerrados e a fazer força para não gritar.
- I’m seeing that. (Estou a ver que sim.) – respondeu ele.
À medida que a agulha era espetada vezes sem conta na pele de Joana, mais lágrimas vinham aos olhos. Bill olhava para aquela cena compreensivo. Ele sabia o que era doer; a do pescoço tinha-lhe doído tanto.
- Ah... About your tatoo... – começou ele, mas foi interrompido.
- Not now, please. (Agora não, por favor.) – pediu Joana.
Ao fim de mais picadelas, lágrimas e apertões no braço de Bill, a tatuagem estava acabada. Ainda lavada em lágrimas, ela lá se levantou e arrastou-se até ao espelho. Contemplou aquele desenho que a acompanharia para o resto da vida e esboçou um sorriso. Bill aproximou-se e, sendo mais alto que Joana, olhou também para o desenho. Em seguida, deu um beijo na bochecha húmida dela e saiu da sala. O tatuador espalhou um creme gorduroso por cima da tatuagem e cobriu-a com um penso.
- Amanhã já podes tirar. Vai colocando creme para não ficar vermelho. Não apanhes sol e não laves com água salgada nestes dias. Evita esfregar. – disse ele, saindo em seguida.
Sozinha naquele compartimento, Joana sentiu as ideias a invadirem-lhe a cabeça. Sim, tinha feito uma tatuagem. Sim, era o que queria. Sim, gostava do desenho. Não, não se ia arrepender. Mas porque é que ela estava agora a pensar naquilo? Pegou na mala a pensar numa boa desculpa para dar à mãe sobre onde tinha gasto o dinheiro que ia usar agora para pagar ao tatuador. Mas quando saiu da sala, teve uma surpresa.
- Let’s go? (Vamos?) – perguntou Bill.
- Here, we’ve the habit of paying for things. (Aqui, nós temos o hábito de pagar pelas coisas.) – ironizou ela.
- Curious... I’ve that habit too. I’ve already paid. Let’s go? It’s getting late. (Curioso. Também tenho esse hábito. Já paguei. Vamos? Está a ficar tarde.)
Perante aquelas afirmações, Joana não teve outro remédio que agradecer e despedir-se do homem da loja.
- Obrigada, então. Boa tarde.
- Obrigado nós. Se vir que a tatuagem precisa de ser retocada, venha cá. Não cobramos nada por isso. Mas em princípio, como é toda em preto não haverá problema.
Joana agradeceu e saiu. Fizeram o resto do caminho em silêncio. Feliz por dentro e por fora, Joana levava a mão na barriga, por cima do penso que tapara com a camisola.
- Can we talk now? (Podemos falar agora?) – perguntou Bill, depois de entrarem para a carrinha.
- Yeah, of course. (Sim, claro.) – respondeu ela.
- Well, I’m really glad you liked the surprise. And about the tatoo... I don’t know what to say. My idea wasn’t that when I brought you here. (Bem, estou mesmo feliz que tenhas gostado da surpresa. E sobre a tatuagem... eu não sei o que dizer. A minha ideia não era essa quando te trouxe aqui.) – confessou ele.
- I know. That’s why you don’t have to worry. (Eu sei. Por isso é que não te tens de preocupar.) – disse ela, calmamente.
Alguns minutos depois de atravessarem Lisboa à hora de ponta, Bill e Joana chegaram ao hotel. Não tiveram tempo para grandes despedidas pois estava mesmo a ficar tarde e Joana tinha de “regressar da escola”. Na garagem, deu um leve beijo a Bill e correu para a paragem. Por breves segundos que não perdia o autocarro, ufa...
Sempre a pensar na sua nova e única tatuagem, Joana fez o percurso até casa sempre aluada. Quando reparou que era a sua paragem, saltou do lugar e voou até à porta. Mas tinha alguém à espera na paragem.
Desconfiada do sítio onde a amiga poderia estar, Bia pensou que ela tinha que vir de autocarro e não teve com meias medidas quando se plantou, havia já duas horas, na paragem do autocarro. Sabia que Joana tinha que voltar para casa e aquela era a única paragem na rua.
Joana saiu do autocarro e encarou Bia. Logo depois, achando que não devia explicações a ninguém, começou a andar em direcção a casa, não deixando uma palavra à amiga. No entanto, Bia já havia sido prevenia por Luís e correu atrás dela.
- Não me viste, foi? – perguntou Bia.
- Vi, o próximo autocarro passa daqui a meia hora. – disse Joana, friamente.
- Eu não estava à espera do autocarro. Estava à tua espera.
- Ai sim, para quê? – perguntou, fazendo-se desentendida.
- Onde é que andaste o dia todo? Não foste à escola. – perguntou Bia.
- Já percebi que vês bem. Não tens nada a ver com isso.
- Ai não? Que eu saiba ainda somos amigas. – disse ela.
- Então se somos, já viste que eu estou bem. Já tens o que querias, não já? Podes ir embora. – respondeu Joana.
Bia ficou perplexa com esta resposta. Estacou um momento que serviu para aumentar a distância entre ela e Joana. Quando regressou, correu até ela e puxou-lhe a camisola levemente.
- Ai! Magoaste-me parva! – disse Joana, sem pensar, deitando as mãos à barriga.
Tarde de mais; Bia percebeu que ela escondia algo.
- Que é que tens na barriga? Mostra. – disse, autoritariamente.
- Não tens nada a ver com isso! – gritou Joana, correndo, entrando em casa e fechando a porta logo em seguida.
Por uma fresta da janela, viu Bia especada durante uns segundos mas depois foi-se embora. Joana acalmou-se e passou pela cozinha.
- Mãe, cheguei. O que é o jantar? Estou cheia de fome. – disse, agindo normalmente.
- Empadão. Vai vestir o pijama para vires jantar.
Joana apressou-se a ir para o quarto. Fechou a porta e tirou a camisola. Preparava-se para vestir o pijama quando viu aquele penso branco no espelho. Bem, mal não podia fazer... Além disso era só um bocadinho. Queria mesmo ver como estava, como tinha ficado depois de passar o vermelho. Com cuidado, destapou a tatuagem e fitou o seu reflexo no espelho. Ainda estava um pouco vermelha mas estava mesmo perfeita e igual àquilo que ela queria.
Durante mais alguns minutos, até a mãe a chamar para jantar, Joana ficou a observar a estrela negra com mais duas lá dentro, rigorosamente igual à de Bill, tatuada na sua barriga, rigorosamente no mesmo sítio que a de Bill.

To be continued...

terça-feira, 8 de julho de 2008

48. A LOJA

A curiosidade aumentava a casa segundo que passava. As bolhas, que rebentavam daquela água quente, ressoavam na cabeça de Joana; que seria a surpresa?
- You’ll see. (Vais ver.) – respondeu-lhe ele, fechando os olhos.
Ela não ousou perguntar nada. Na sua cabeça formavam-se planos e esquemas do que podia ser a surpresa de Bill.
Passaram-se as horas e, quando reparou, Joana deu com a sua pele engelhada de estar tanto tempo dentro água. Deu um leve gritinho agudo que acordou Bill que também saltou imediatamente de dentro do jacuzzi. Após uma breve telefonema de Bill para o serviço do hotel, uma empregada apareceu empurrando um carrinho que Joana reconheceu como sendo idêntico ao do pequeno-almoço do dia anterior.
- Let’s lunch! (Vamos almoçar!) – disse Bill, sentando-se numa das cadeiras e começando a escolher aquilo que ia comer.
Joana apressou-se a vestir o roupão e contemplou o manjar que estava à sua frente. Batatas fritas, costeletas grelhadas, arroz, saladas, aperitivos variados, fruta salteada, molhos, tudo o que se podia esperar. Joana atirou-se à comida; agora que reparava, estava faminta. Mas havia outra coisa que lhe aguçava a fome.
- Bill?
- Ja? (Sim?) – respondeu ele.
- Can’t you give me any clue about the surprise? (Não me podes dar nenhuma pista sobre a surpresa?) – pediu, amorosamente.
Ele riu-se. Ai, como ela gostava daquele sorriso.
- Nein! (Não!) – disse, com um ar maroto.
Joana fingiu um ar amuado; Bill riu-se novamente e atirou-lhe uma batata frita. Ela não se deixou ficar; arremessou-lhe outra. Escusado será dizer que, depois da luta de comida, a toalha que estava em cima do carrinho da comida ficou toda cheia de nódoas.
Estava Joana indecisa entre as sobremesas, mousse de chocolate e manga, fruta, arroz doce, gelatina, doce de bolacha e leite condensado, bolos, leite de creme, quando o seu telemóvel tocou. O sorriso que tinha nos lábios de ver Bill a comer a gelatina como se fosse uma criança de 5 anos, esvaneceu-se quando viu de quem era a chamada. Com letras grandes, o nome de Bia aparecia intermitentemente. Joana carregou imediatamente no botão que silenciou a chamada, fazendo o telemóvel calar-se.
- Who was it? (Quem era?) – perguntou Bill, ao ver a expressão no rosto de Joana.
- None… (Ninguém…) – respondeu ela.

As aulas da manhã tinham acabado e Bia estava a ficar preocupada. Já tinha ligado para casa de Joana mas, ao ver que a mãe dela lhe garantiu que a filha tinha saído para a escola, como sempre, teve que dizer que estava doente em casa e por isso é que não tinha visto Joana na escola. Mas a verdade é que, tanto ela quanto Luís, já estavam a pensar em todos os cenários possíveis e imagináveis. Depois da discussão do dia anterior, era compreensível que ela não fosse às aulas; mas no dia a seguir não era. Ainda por cima, ninguém sabia dela.
- E se ligasses à minha irmã? – sugeriu Nuno, que já estava a par da situação e que passava agora a maior parte do tempo com a namorada Bia e com Luís.
- Vou tentar.
Tirou o telemóvel da mala e procurou Leonor na lista de marcação rápida. Carregou em chamar e esperou que atendesse.
- Olá. Sou eu, a Bia. Olha, diz-me uma coisa, sabes da Joana.
“Olá Bia. Não, não sei. Mas porquê? O que é que se passa? Está tudo bem?”
- Não sei. Ela não veio à escola e a mãe diz que ela saiu de casa como todos os dias para vir. Já acabou o bloco da manhã e ninguém sabe nada dela.
“Eu ainda não a vi por aqui, mas também ainda só fui à sala comum. Espera um bocado que eu vou ver se o Bill sabe dela.”
Do outro lado da linha, Bia aguardou impacientemente o regresso da amiga. Enquanto ela não chegou, pôs Nuno e Luís a par da situação.
“Estou? Bia? Olha, o Bill não está no quarto e ainda ninguém o viu hoje.”
- Pois, nem preciso de ser adivinha para saber que eles estão juntos. Mas onde? Só espero que esteja tudo bem. Vá, até logo. Beijinhos.
E desligou. Relatou aos amigos o que tinha acontecido; só serviu para ficarem todos mais preocupados.

A tarde tinha chegado e, tanto Bill quanto Joana, já tinham comido há algum tempo. Subitamente, ao olhar para as horas do relógio que estava na sala, Bill pegou no telemóvel e fez uma chamada em alemão. Joana olhava espantada, não percebendo o que se passava. Quando pousou o aparelho, Bill apenas disse:
- Let’s go. (Vamos.)
Joana ia perguntar para onde iam mas, ao ver Bill desaparecer pelo corredor, apressou-se a segui-lo. Entraram no elevador e, em vez de subirem, como era habitual, desceram. Quando as portas se abriram, um frio gelado invadiu o ascensor, inundando o corpo de Joana com uma sensação esquisita.
- Bill?
- Follow me. (Segue-me.) – ordenou ele, sem lhe dar margem para argumentar.
Estavam na garagem, fria e sombria. Carros luxuosos estavam estacionados e um empregado estava sentado no seu posto, vigiando quem deles se aproximasse. Bill caminhava em direcção a uma carrinha preta com os vidros escurecidos, tanto, que nem dava para ver lá para dentro, mas que ela já tinha a sensação de ter visto em algum lado. Ele fez-lhe sinal para entrar e ela assim fez. Mal se sentou, pôde ver como eram confortáveis os bancos em pele e lembrou-se subitamente que carrinha era aquela. Era a carrinha que eles usavam para se deslocarem para os concertos! Ao lado do condutor, reconheceu Saki, o segurança da banda.
- Bill? Where are we going? (Bill? Onde é que vamos?) – perguntou.
- Downtown. (Para a Baixa.) – respondeu.
A resposta não foi muito esclarecedora. Para a Baixa? Mas que Baixa? Só quando começou a ver as ruas pequeninas da Baixa da cidade de Lisboa, é que percebeu a que Baixa ele se referia. A carrinha virara numa ruela, que Joana reconheceu como uma que dava acesso às ruas do Bairro Alto. Como não podiam andar mais de carro, Saki saiu primeiro para garantir que não havia perigo. Logo depois, Bill fez o mesmo e Joana seguiu-o. Bill tirou um papel amarrotado do bolso e estendeu-o a Joana. Uma morada figurava lá escrita. Ela percebeu que tinham de ir até lá. Situou-se na rua e começaram a andar. Alguns minutos depois tinham chegado.
- No! I can´t believe it! (Não! Eu não acredito!) – exclamou ela, perante o prédio da morada.
Bill sorria, animado com a situação. Empurrou Joana lá para dentro e contemplaram a loja onde estavam.
Estavam numa loja de piercings e tatuagens. Mas não era uma loja qualquer. Joana já tinha ouvido falar daquele sítio e realmente, ele fazia jus ao que se dizia. A Bad Bones era realmente um sítio extravagante. À primeira vista, saltava logo uma cadeira que parecia de tortura. Toda em pele colorida, tinha correntes que serviam para prender os pés e mãos de quem ali se sentasses. Claro que era só para a decoração. Nas paredes podiam-se ver várias fotografias de tatuagens e piercings nos sítios mais esquisitos. Numa pequena sala ao lado, estavam dois sofás verdes com uma mesa no meio onde estava repousado um grande livro para escolher tatuagens. Nas vitrinas dos armários, milhares de piercings de todos os tamanhos, cores e feitios estavam em exposição. Mal entraram naquela casa, um homem, que na opinião de Joana condizia perfeitamente com a loja, saudou-os.
- Em que posso ajudar?
Joana caiu novamente à Terra e encarou Bill de frente.
- What are we doing here? (O que é que estamos a fazer aqui?) – perguntou-lhe ela.
- Don’t you want a tatoo? (Não queres uma tatuagem?) – disse ele, retoricamente.
Joana não queria acreditar. Estavam ali para ela fazer uma tatuagem. Bill tinha-a levado a fazer uma tatuagem! Uma tatuagem! Ai se a mãe dela soubesse. Mas era agora ou nunca. Estava com Bill, o que é que importava o resto do mundo? Nada! Após alguns minutos de reflexão interior, lá concordou em fazer uma, mas só depois de Bill lhe garantir que ia estar ao lado dela caso lhe doesse.
- Já escolheu o desenho que quer tatuar? – perguntou o mesmo homem que os recebera.
Ai! Ela nem sequer tinha pensado nisso, porque nem sequer tinha pensado em fazer uma tatuagem! Olhou para Bill para lhe pedir ajuda mas, nesse preciso momento, uma ideia veio-lhe à cabeça.

To be continued…